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auditório, sentei-me numa espécie de banco de mármore doado por<br />
Cecilia Dalrymple Ramble. Enquanto esperava ali instalado, em<br />
prostrado desconforto, bêbado, privado de sono, com a mão na coronha<br />
da arma no bolso da capa de chuva, ocorreu-me bruscamente que eu<br />
estava tomado pela demência e a ponto de cometer uma estupidez. Não<br />
havia sequer uma possibilidade em um milhão de que Albert Riggs, prof.<br />
assist., estivesse escondendo minha Lolita em sua casa de Beardsley, em<br />
24 Pritchard Road. O vilão não podia ser ele. Aquilo era uma completa<br />
insensatez. Eu estava perdendo meu tempo e o juízo. Ele e ela estavam<br />
na Califórnia, e não ali.<br />
Em seguida, percebi uma vaga comoção por trás de algumas<br />
estátuas brancas; uma porta — não a que eu vinha fitando — abriu-se de<br />
chofre, e em meio a uma revoada de alunas uma cabeça calva e dois<br />
olhos castanhos e brilhantes se arregalavam, avançando.<br />
Ele me era totalmente desconhecido, mas quis me convencer de que<br />
tínhamos sido apresentados numa festa ao ar livre na Escola Beardsley.<br />
Como ia minha linda filha tenista? Ele tinha outra aula. E tornaria<br />
certamente a me ver.<br />
Outra tentativa de identificação foi resolvida com mais vagar: por<br />
meio de um anúncio numa nas revistas de Lo, atrevi-me ao contato com<br />
um detetive particular, um ex-pugilista, e apenas para lhe dar alguma<br />
ideia do método adotado pelo demônio, apresentei-lhe uma amostra dos<br />
nomes e endereços que reunira. Pediu-me um depósito de monta, e dois<br />
anos — dois anos, leitor! — o imbecil levou verificando esses dados<br />
absurdos. Fazia muito que eu já rompera toda e qualquer relação<br />
monetária com ele quando me apareceu um belo dia com a informação<br />
triunfante: um índio de oitenta anos chamado Bill Brown vivia perto de<br />
Dolores, no Colorado.<br />
25<br />
Este livro fala de Lolita; e agora que cheguei à parte que (não fosse eu<br />
antecipado por outro mártir da combustão interna) poderia chamar-se<br />
“Dolorès Disparue”, não haveria muito sentido em analisar os três anos<br />
vazios que se seguiram. Embora alguns pontos pertinentes mereçam ser<br />
assinalados, a impressão geral que desejo transmitir é de uma porta<br />
lateral que se abre com estrondo em pleno voo da vida, dando entrada a<br />
um jorro negro e fragoroso de tempo que afoga, com o açoite de seus<br />
ventos, o grito da calamidade solitária.<br />
Uma coisa bastante singular: poucas vezes sonhei com Lolita tal<br />
como me lembrava dela — como eu a via sempre com insistência<br />
obsessiva na mente consciente, em meus devaneios de pesadelo e em<br />
minhas insônias. Mais precisamente: Lolita assombrava meu sono, mas<br />
nele aparecia sob disfarces estranhos e ridículos como Valeria ou<br />
Charlotte, ou uma combinação das duas. O complexo fantasma me