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implacável dos tarados, sua audácia e (acima de tudo) sua atenção<br />

extrema ao detalhe. Ele estaciona o carro junto aos portões de um pátio<br />

de colégio, por exemplo, e obriga Lo a proporcionar-lhe carícias íntimas<br />

enquanto as crianças deixam a escola. Sessenta e cinco cents compram<br />

carícias semelhantes na sala de aula da garota, enquanto Humbert<br />

admira uma colega platinada. O valor da felação sobe às alturas de<br />

quatro dólares por sessão antes que Humbert consiga reduzir<br />

“drasticamente os preços, obrigando-a a ganhar da maneira mais árdua<br />

e repulsiva a permissão para participar do grupo teatral da escola”. Por<br />

outro lado, ele lhe faz um cunnilingus gratuito quando a enteada cai de<br />

cama com febre: “não tive como resistir à extraordinária caloricidade de<br />

deleites insuspeitados — Venus febriculosa —, embora fosse uma Lolita<br />

muito enlanguescida que gemia, tossia e estremecia em meus braços”.<br />

Humbert exercera evidentemente uma espécie de sadismo burguês<br />

com sua primeira mulher, Valeria. Tecia fantasias em torno de “desfazer<br />

a tapa o alinhamento dos seus seios” ou “calçar [suas] botas de alpinista,<br />

tomar um bom impulso e desferir-lhe um formidável pontapé no<br />

traseiro”, mas na realidade limitava-se a “torcer o pulso quebradiço da<br />

gorda Valetchka (aquele sobre o qual ela caíra andando de bicicleta)” e<br />

dizer-lhe “Escute aqui, gorda idiota, c’est moi qui décide”. O pulso<br />

fragilizado é bom; os sádicos especializam-se em pontos fracos. Humbert<br />

só bate uma vez em Lolita (“um violento tabefe com as costas da mão”),<br />

durante uma crise de ciúme, contentando-se o resto do tempo com o<br />

suborno, a intimidação e três ameaças principais — o isolamento rural, o<br />

orfanato e o reformatório:<br />

Falando claro, se nós dois formos descobertos, você será analisada e internada, minha<br />

bela, c’est tout. E irá residir, minha Lolita irá residir (venha aqui, minha flor castanha) com<br />

trinta e nove outras cretinas num dormitório imundo (não, deixe-me terminar, por favor)<br />

sob a supervisão de matronas horrendas. É esta a situação, é esta a opção. Não acha<br />

que diante das circunstâncias Dolores Haze devia era ficar ao lado do seu velho?<br />

É verdade que Humbert acaba cometendo um assassinato: mata seu<br />

rival, Clare Quilty. E apesar de toda a comédia da situação, e apesar de<br />

Quilty não valer nada como dramaturgo nem como cidadão, o gesto não<br />

deixa de ter seus matizes primais. Quilty é o “irmão” de Humbert, afinal,<br />

seu parceiro secreto. Não cultivam o mesmo gosto em relação às<br />

palavras e às mulheres? Não têm a mesma voz? “Largue essa pistola”,<br />

diz ele a Humbert, “soyons raisonnables. O senhor só conseguirá ferir-me<br />

da maneira mais pavorosa, e depois irá apodrecer na cadeia enquanto<br />

me recupero em algum cenário tropical”. Quilty é um desalmado que<br />

não para de brincar em voz alta, um voyeur, um dos pornógrafos da vida<br />

real. A maioria dos leitores, imagino, há de concordar com a justiça do<br />

veredito que Humbert profere em sua última página: “Por motivos que<br />

podem parecer mais óbvios do que na verdade são, oponho-me à pena

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