You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
sua guarda pessoal de rosas — uma princesa das fadas ladeada por duas<br />
damas de honra. Tento analisar o calafrio de delícia que me transmite<br />
esse nome entre todos os outros. O que nele me leva quase às lágrimas<br />
(as lágrimas mornas, grossas e opalescentes que derramam os poetas e<br />
os amantes)? O que será? O terno anonimato desse nome com seu véu<br />
(“Dolores”) e a transposição abstrata de nome e indistinção do<br />
sobrenome, Haze, “névoa” ou “turvamento”, os dois vistos como um par<br />
novo de luvas claras ou um simulacro de máscara? Será “máscara” a<br />
palavra-chave? Será porque sempre encontramos deleite no mistério<br />
semitranslúcido, nas dobras do charshaf, através do qual a carne e o olho<br />
que só você tem o privilégio de conhecer sorriem de passagem só para<br />
você? Ou talvez porque consigo imaginar com tamanha clareza o resto<br />
da turma variada em torno de minha amada dolorosa e turva: Grace e<br />
suas espinhas maduras; Ginny e sua perna aleijada; Gordon, o onanista<br />
exaurido; Duncan, o palhaço malcheiroso; Agnes e suas unhas roídas;<br />
Viola, com os cravos no rosto e o busto balouçante; a bonita Rosaline; a<br />
morena Mary Rose; a adorável Stella, que se deixa tocar por estranhos;<br />
Ralph, que intimida e rouba; Irving, de quem sinto pena. E lá está ela,<br />
perdida no meio, mordiscando um lápis, detestada pelos professores, os<br />
olhos de todos os meninos em seus cabelos e em sua nuca, minha Lolita.<br />
Sexta-feira. Anseio por alguma tremenda calamidade. Terremoto.<br />
Explosão espetacular. A mãe é eliminada produzindo grande estrago,<br />
mas de modo instântaneo e permanente, na companhia de todo mundo<br />
num raio de vários quilômetros. Lolita soluça em meus braços. Libertado,<br />
eu a desfruto em meio às ruínas. A surpresa dela, as minhas explicações,<br />
demonstrações, ululações. Idílios idiotas e vãos! Um Humbert destemido<br />
teria brincado com ela da maneira mais repulsiva (ontem, por exemplo,<br />
quando ela entrou novamente em meu quarto para mostrar-me seus<br />
desenhos, coleção de arte escolar); ele poderia suborná-la — e escapar<br />
impune. Um sujeito mais simples ou pragmático ater-se-ia sobriamente a<br />
sucedâneos comerciais diversos — caso soubesse onde procurar; eu não<br />
sei. A despeito da minha máscula beleza, sou de uma terrível timidez.<br />
Minha alma romântica fica toda suarenta e trêmula só de pensar na<br />
possibilidade de algum horrível imprevisto desagradável e indecente.<br />
Aqueles devassos monstros marinhos. “Mais allez-y, allez-y!” Annabel<br />
pulando num pé só para enfiar seu short, eu mareado de raiva, tentando<br />
impedir que a vissem.<br />
Mesma data, mais tarde, bem tarde. Acendi a luz para anotar um<br />
sonho. Com um antecedente bem óbvio. Durante o jantar Haze tivera a<br />
benevolência de proclamar que, como o departamento de meteorologia<br />
prometia um fim de semana de sol, iríamos ao lago no domingo depois<br />
da igreja. Deitado na cama, entregue a ruminações eróticas antes de<br />
tentar adormecer, ocorreu-me um esquema final para aproveitar o