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enquanto dava impulso com o pé, e novamente lá ia ela, debaixo do sol e<br />

das sombras claras.<br />

No todo ela me parecia mais adaptada a seus arredores do que eu<br />

esperava quando levava em conta os amuos de minha menina-escrava e<br />

as correntes figuradas que, na Califórnia, ela fingia ingenuamente<br />

ostentar no inverno anterior. Embora eu jamais conseguisse me<br />

acostumar ao estado de ansiedade constante em que os culpados, os<br />

grandes e os mais sensíveis costumam viver, julgava que estava fazendo<br />

o melhor possível em matéria de imitação. Deitado na estreita cama do<br />

meu escritório depois de uma sessão de adoração e desespero no quarto<br />

frio de Lolita, eu passava em revista o dia concluído observando minha<br />

própria imagem que me espreitava, mais que se exibia, aos olhos<br />

vermelhos da minha mente. E via o dr. Humbert, moreno e bemapessoado,<br />

não exatamente desprovido de traços célticos,<br />

provavelmente anglicano, possivelmente muito anglicano, levando sua<br />

filha para a escola. Via-o cumprimentar com seu sorriso lento e um<br />

agradável arqueamento das sobrancelhas escuras e espessas a boa sra.<br />

Holigan, que cheirava mal como a peste (e haveria de dedicar-se, eu<br />

sabia, ao gim do patrão na primeira oportunidade). Com o sr. Oeste,<br />

carrasco ou antigo escritor de panfletos religiosos — quem dava a<br />

mínima? —, eu via o vizinho, como era mesmo o nome dele, acho que<br />

eram franceses ou suíços, meditando em seu escritório de janelas altas<br />

debruçado sobre a máquina de escrever, com um perfil emagrecido e<br />

uma onda de cabelo quase hitleriana a lhe cair na testa muito branca.<br />

Nos fins de semana, usando um sobretudo bem cortado e luvas marrons,<br />

o professor H. podia ser visto com sua filha caminhando na direção da<br />

Walton Inn (famosa por seus coelhinhos de louça e suas caixas de<br />

bombons atadas com fita violeta, em meio aos quais a clientela espera<br />

uma “mesa para dois” ainda coberta das migalhas de seus<br />

antecessores). Nos dias de semana, em torno de uma da tarde, podia ser<br />

visto cumprimentando com dignidade a srta. Leste dos mil olhos de Argo<br />

enquanto manobrava o carro para sair da garagem, contornando a<br />

maldita moita de sempre-vivas e chegando ao leito escorregadio da rua.<br />

Desviando um olho frio do livro para o relógio na positivamente soturna<br />

biblioteca do Beardsley College, em meio a jovens corpulentas<br />

surpreendidas e petrificadas por algum transbordamento do<br />

conhecimento humano. Atravessando o campus a pé com o pastor da<br />

instituição, o reverendo Rigger (que também dava aulas de religião na<br />

Escola Beardsley). “Alguém me disse que a mãe dela era uma atriz<br />

famosa morta num acidente de avião. Ah? Erro meu, deve ter sido. É<br />

mesmo? Entendo. Que tristeza.” (Sublimando a mãe dela, hein?)<br />

Impelindo lentamente meu carrinho através do labirinto do<br />

supermercado, no rastro do professor W., mais um viúvo de passos lentos

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