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fiquei satisfeito com a coisa toda e a destruí em algum momento<br />

posterior à minha mudança para a América em 1940.<br />

Em torno de 1949, em Ithaca, norte do estado de Nova York, o<br />

latejamento, que nunca cessara de todo, voltou a me atormentar. A<br />

combinação juntou-se à inspiração com novo ânimo e me envolveu num<br />

novo tratamento do tema, dessa vez em inglês — a língua da minha<br />

primeira governanta em São Petersburgo, Miss Rachel Home, circa 1903.<br />

A ninfeta, agora com um aporte de sangue irlandês, era praticamente a<br />

mesma garota, e a ideia básica do casamento com a mãe também<br />

subsistiu, mas afora isso a coisa toda era nova, e criara em segredo as<br />

garras e as asas de um romance.<br />

O livro desenvolveu-se lentamente, com muitas interrupções e<br />

apartes. Eu precisara de quarenta anos para inventar a Rússia e a Europa<br />

Ocidental, e agora me via diante da tarefa de inventar a América. A<br />

obtenção de ingredientes locais que me permitissem injetar uma<br />

razoável dose de “realidade” (uma das poucas palavras que nada<br />

querem dizer sem aspas) no preparado da fantasia individual mostrouse,<br />

aos cinquenta anos, um processo muito mais difícil do que fora na<br />

Europa da minha juventude, quando a receptividade e a retenção se<br />

encontravam em seu automático apogeu. Outros livros intervieram. Uma<br />

ou duas vezes estive a ponto de queimar o rascunho inacabado e<br />

cheguei a levar minha Juanita Dark até a sombra do incinerador fora de<br />

prumo no gramado inocente, quando fui impedido pelo pensamento de<br />

que o fantasma do livro destruído havia de assombrar meus arquivos<br />

pelo resto da minha vida.<br />

Todo verão minha mulher e eu saíamos para caçar borboletas. Os<br />

espécimes estão depositados em instituições científicas, como o Museu<br />

de Zoologia Comparada de Harvard ou a coleção da Universidade<br />

Cornell. Os rótulos das localidades presos ao pé dessas borboletas serão<br />

um deleite para algum estudioso do século XXI com gosto pela biografia<br />

recôndita. Foi em quartéis-generais como os que instalamos em<br />

Telluride, Colorado; em Afton, Wyoming; em Portal, Arizona; e em<br />

Ashland, Oregon, que Lolita foi retomado com energia nas noites ou nos<br />

dias nublados. Terminei de copiar a coisa toda à mão na primavera de<br />

1954, e imediatamente saí em busca de um editor.<br />

Num primeiro momento, a conselho de um velho e calejado amigo,<br />

tive a humildade de estipular que o livro deveria ser lançado<br />

anonimamente. Duvido que eu jamais vá me arrepender de pouco<br />

depois, percebendo o quanto a máscara tenderia a trair minha causa, eu<br />

ter decidido assinar Lolita. As quatro editoras americanas, W, X, Y e Z,<br />

que cada uma por sua vez recebeu o original datilografado e o confiou a<br />

seus leitores, ficaram chocadas com Lolita a um ponto que mesmo meu<br />

calejado velho amigo F. P. não tinha antevisto.

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