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havia como excluir o trote passado de um telefone local. Agradeci. Ele<br />
respondeu: tudo bem. Depois de uma escala no ruidoso toalete<br />
masculino e de um destilado puro no bar, encetei minha marcha de<br />
retorno. Do primeiro patamar a que cheguei pude ver, bem mais abaixo,<br />
na quadra de tênis que parecia do tamanho da lousa borrada de uma<br />
criança, a dourada Lolita jogando uma partida de duplas. Ela se<br />
deslocava como um anjo de cabelos claros em meio a três horrendos<br />
aleijados de Bosch. Um deles, seu parceiro de dupla, ao trocarem de<br />
lado, deu-lhe uma palmada jocosa no traseiro com a raquete. Tinha uma<br />
cabeça extraordinariamente redonda e usava incongruentes calças<br />
marrons. Houve um súbito sobressalto — ele me viu, e atirando longe a<br />
sua — a minha! — raquete, saiu correndo encosta acima. Agitava os<br />
pulsos e os cotovelos numa imitação pretensamente cômica de um bater<br />
de asas rudimentares, enquanto subia, com as pernas arqueadas, até a<br />
rua, onde um carro cinzento estava à sua espera. No momento seguinte,<br />
ele e aquela mancha cinza tinham desaparecido. Quando cheguei à<br />
quadra, o trio remanescente recolhia e separava as bolas usadas.<br />
“Sr. Mead, quem era essa pessoa?”<br />
Bill e Fay, ambos com uma expressão muito solene, sacudiram a<br />
cabeça.<br />
Aquele intruso absurdo tinha aparecido de repente para completar a<br />
dupla, não é, Dolly?<br />
Dolly. O punho da minha raquete ainda estava repulsivamente<br />
morno. Antes de voltar ao hotel, ingressei com ela numa picada<br />
semioculta por arbustos fragrantes, com flores que pareciam de fumaça,<br />
e estava a ponto de rebentar em soluços carregados e suplicar da<br />
maneira mais abjeta a seu sonho imperturbável alguma explicação,<br />
mesmo que claramente forjada, daquele lento horror que fechava o<br />
cerco em torno de mim, quando nos descobrimos bem atrás do casal<br />
convulso encabeçado por Mead — combinações parecidas de pessoas,<br />
entendem, que se conhecem em cenários idílicos nas antigas comédias.<br />
Bill e Fay estavam ambos fracos de tanto rir — chegáramos depois do<br />
final de alguma piada que só os dois tinham entendido. Mas na verdade<br />
não fazia diferença.<br />
Falando como se na realidade aquilo não tivesse mesmo a menor<br />
importância, e supondo, aparentemente, que a vida continuava, cercada<br />
dos prazeres automáticos de sempre, Lolita me disse que planejava<br />
vestir suas roupas de banho e passar o resto da tarde na piscina. O dia<br />
estava lindo. Lolita!<br />
21<br />
“Lo! Lola! Lolita!” Ouço-me gritando da porta para o sol, ajudado pela<br />
acústica do tempo que confere a meu chamado e à sua reveladora<br />
rouquidão tamanhas ressonâncias de ansiedade, paixão e dor que aquele