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de veículo. Essa técnica implicava a existência de garagens<br />
especializadas em operações de “revezamento de automóveis”, mas<br />
jamais consegui descobrir onde ficavam os postos que ele usava. Num<br />
primeiro momento parecia dar preferência ao gênero Chevrolet,<br />
começando com um conversível de cor creme-campus, que trocou em<br />
seguida por um pequeno sedã azul-horizonte, a partir do qual foi<br />
descendo de matiz para cinza-mar e em seguida cinza-areia. Então<br />
passou a usar outras marcas e percorreu todo um arco-íris de cores<br />
claras e opacas, e um dia me descobri tentando dar conta da distinção<br />
sutil entre o azul-sonho do nosso Melmoth e o azul-cordilheira do<br />
Oldsmobile que ele alugara; os cinzas, contudo, continuavam a<br />
predominar no seu criptocromatismo e, na aflição dos meus pesadelos,<br />
eu tentava em vão reconhecer claramente fantasmas como o cinzaconcha<br />
da Chrysler, o cinza-gelo da Chevrolet, o cinza-francês da<br />
Dodge...<br />
A necessidade de manter-me sempre à procura de seu bigodinho e<br />
de sua camisa aberta — ou de sua calva parcial e seus ombros largos —<br />
levava-me a um estudo aprofundado de todos os automóveis da estrada<br />
— atrás, à frente, ao lado, indo, vindo, cada um dos veículos banhados<br />
pela luz dançante do sol: o carro sossegado da família em férias com a<br />
caixa de lenços de papel junto ao para-brisa traseiro; o calhambeque em<br />
velocidade excessiva lotado de crianças pálidas, com a cabeça<br />
despenteada de um cachorro projetando-se de uma janela e um dos<br />
para-lamas amassado; o sedan Tudor de um solteirão, com vários ternos<br />
pendurados em cabides; o imenso trailer roliço que oscilava à nossa<br />
frente, imune à fila indiana que fervia de fúria em seu encalço; o carro<br />
com a jovem passageira educadamente postada no centro do banco<br />
dianteiro para ficar mais perto do jovem motorista; o carro que carregava<br />
no teto um bote vermelho emborcado... O carro cinza reduzindo a<br />
marcha à nossa frente, o carro cinza que vinha em nosso encalço.<br />
Atravessávamos uma região montanhosa, em algum ponto entre<br />
Snow e Champion, e descíamos um declive quase imperceptível quando<br />
tive minha próxima visão bem clara do detetive Paramour Trapp. A<br />
cerração cinzenta às nossas costas se adensara e concentrara na forma<br />
compacta de um sedã azul-imperial. Subitamente, como se o carro que<br />
eu dirigia respondesse aos saltos do meu pobre coração, andávamos de<br />
um lado para outro com algo que produzia um imutável plap-plap-plap<br />
debaixo dos nossos assentos.<br />
“Furou um pneu, moço”, disse Lo alegremente.<br />
E eu encostei — bem ao lado de um precipício. Ela cruzou os braços e<br />
apoiou o pé no painel. Desci do carro e examinei a roda traseira direita.<br />
Seu pneu exibia uma base horrível e teimosamente chata. Trapp parou<br />
uns cinquenta metros atrás de nós. Seu rosto distante lembrava uma