20.06.2013 Views

Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

clericais da Virg<strong>em</strong> Maria ocorriam <strong>em</strong> geral durante as matinas, que<br />

aconteciam no sonolento horário da meia-noite.<br />

É natural suspeitar que muitas dessas aparições, ou talvez todas,<br />

sejam uma espécie de sonho, com a pessoa acordada ou adormecida,<br />

composto de logros (e de falsificações; havia um próspero comércio de<br />

milagres inventados: pinturas e estátuas religiosas desencavadas por acaso<br />

ou comando divino). A questão foi tratada nas Siete partidas, o códice do<br />

direito civil e canônico compilado por ord<strong>em</strong> de Alfonso, o Sábio, rei de<br />

Castela, por volta de 1248. Nele pod<strong>em</strong>os ler o seguinte:<br />

Alguns homens fraudulentamente descobr<strong>em</strong> ou constró<strong>em</strong> altares nos<br />

campos ou nas cidades, dizendo que há relíquias de certos santos naqueles<br />

lugares e pretextando que elas realizam milagres; por essa razão, pessoas<br />

de muitas regiões são induzidas a se deslocar até o altar <strong>em</strong> peregrinação,<br />

para que delas se possa roubar alguma coisa; e outros, influenciados por<br />

sonhos ou fantasmas vãos que lhes aparec<strong>em</strong>, erig<strong>em</strong> altares e fing<strong>em</strong><br />

descobri-los nas localidades acima nomeadas.<br />

Ao listar a razão para as crenças errôneas, Alfonso estabelece um<br />

continuum que vai da seita, opinião, fantasia e sonho até a alucinação. Um<br />

tipo de fantasia chamado antoiança é definido da seguinte maneira:<br />

“Antoiança é algo que se detém diante dos olhos e depois desaparece, como<br />

se alguém o visse e ouvisse <strong>em</strong> transe, e por isso não t<strong>em</strong> substância”. Uma<br />

bula papal de 1517 faz distinção entre visões que aparec<strong>em</strong> “<strong>em</strong> sonhos ou<br />

divinamente”. S<strong>em</strong> dúvida, as autoridades seculares e eclesiásticas, mesmo<br />

<strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos de extr<strong>em</strong>a credulidade, estavam alertas para as possibilidades de<br />

logro e engano.<br />

Ainda assim, na maior parte da Europa medieval, essas aparições<br />

eram saudadas calorosamente pelo clero católico romano – sobretudo porque<br />

as admoestações marianas agradavam bastante aos sacerdotes. Uns “sinais”<br />

patéticos de evidência – uma pedra, uma pegada, jamais alguma coisa que<br />

não pudesse ser falsificada – eram o suficiente. Mas a partir do século XV, por<br />

volta da época da Reforma protestante, a atitude da Igreja mudou. Aqueles<br />

que afirmavam ter um canal de comunicação independente com o Céu<br />

estavam passando a perna nos canais competentes da Igreja que levavam até<br />

Deus. Além disso, algumas incômodas aparições – as de Joana d’Arc, por<br />

ex<strong>em</strong>plo – tinham incômodas implicações políticas ou morais. Em 1431, os<br />

perigos representados pelas visões de Joana d’Arc foram descritos <strong>pelos</strong> seus<br />

inquisidores nos seguintes termos:<br />

Mostrou-se a ela o grande perigo que decorre de alguém ser tão<br />

presunçosa a ponto de acreditar que t<strong>em</strong> essas visões e revelações, e que,<br />

portanto, mente sobre questões referentes a Deus, proferindo falsas

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!