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Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

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Eu tinha machucado o pulso, causado uma despesa médica inesperada,<br />

quebrado uma vitrine de vidro laminado, e ninguém estava bravo comigo.<br />

Quanto a Snoony, estava mais amigo do que antes.<br />

Eu procurava decifrar qual era a lição. Mas era muito mais<br />

agradável pensar sobre o assunto no calor do apartamento, olhando pela<br />

janela da sala para a baía de Nova York, do que me arriscar <strong>em</strong> alguma nova<br />

desgraça nas ruas lá <strong>em</strong>baixo.<br />

Como freqüent<strong>em</strong>ente fazia, minha mãe tinha mudado de roupa e<br />

maquiado o rosto, preparando-se para a chegada de meu pai. Falamos sobre<br />

minha briga com Snoony. O sol estava quase desaparecendo, e juntos ficamos<br />

olhando as águas agitadas.<br />

- Há gente lutando lá longe, matando-se uns aos outros - disse ela,<br />

acenando vagamente para o outro lado do Atlântico. Eu concentrei meu<br />

olhar.<br />

- Sei - respondi. - Posso vê-los.<br />

- Não, você não pode vê-los - replicou ela, ceticamente, quase<br />

severamente, antes de voltar para a cozinha. - Estão longe d<strong>em</strong>ais.<br />

Como é que ela sabia se eu podia vê-los ou não? Fiquei pensando.<br />

Forçando o olhar, eu tinha imaginado distinguir uma faixa estreita de terra<br />

no horizonte, onde figuras minúsculas estavam se <strong>em</strong>purrando, se agredindo<br />

e duelando com espadas, como faziam <strong>em</strong> Classic Comics. Mas talvez ela<br />

tivesse razão. Talvez tivesse sido apenas a minha imaginação, um pouco<br />

como os monstros da meia-noite que, de vez <strong>em</strong> quando, ainda me<br />

despertavam de um sono profundo, meu pijama encharcado de suor, meu<br />

coração batendo.<br />

Como se pode saber quando alguém está apenas imaginando?<br />

Fiquei olhando as águas cinzentas lá fora até que a noite caísse e me<br />

chamass<strong>em</strong> para lavar as mãos antes do jantar. Quando chegou <strong>em</strong> casa, meu<br />

pai me abraçou. Pude sentir o frio lá de fora quando encostei na sua barba de<br />

um dia.<br />

Num domingo daquele mesmo ano, meu pai pacient<strong>em</strong>ente me dera<br />

explicações sobre o zero ser uma espécie de variável na aritmética, sobre os<br />

nomes dos números grandes que tinham sons desagradáveis, e sobre o fato<br />

de não existir o maior número. ("S<strong>em</strong>pre se pode adicionar mais um", ele me<br />

ensinara.) De repente, fui tomado por uma compulsão infantil de escrever <strong>em</strong><br />

seqüência todos os inteiros de um a mil. Não tínhamos folhas de papel, mas<br />

meu pai me ofereceu a pilha de papelões cinza que andara guardando das<br />

idas de suas camisas à lavanderia. Comecei o projeto ansiosamente, mas<br />

fiquei surpreso por ver como andava devagar. Ainda não tinha ido além das<br />

primeiras centenas, quando minha mãe avisou que estava na hora de tomar

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