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Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

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que trabalham na mesma área de estudo, mesmo que eles não fal<strong>em</strong> uma<br />

língua comum, acharão um meio de se comunicar. A própria ciência é uma<br />

língua transnacional. Os cientistas têm naturalmente uma atitude<br />

cosmopolita e são mais inclinados a não se deixar enganar pelas tentativas de<br />

dividir a família humana <strong>em</strong> numerosas facções pequenas e conflitantes.<br />

“Não existe ciência nacional”, dizia o dramaturgo russo Anton Chekov,<br />

“assim como não há tabuada de multiplicação nacional.” (Da mesma forma,<br />

para muitos, não existe religião nacional, <strong>em</strong>bora a religião do nacionalismo<br />

tenha milhões de adeptos.)<br />

Em números desiguais, encontramos cientistas nas fileiras dos<br />

críticos sociais (ou, menos caridosamente, “dissidentes”), desafiando as<br />

políticas e os mitos de suas próprias nações. Os nomes heróicos dos físicos<br />

Andrei Sakharov * na antiga URSS, Albert Einstein e Leo Szilard nos Estados<br />

Unidos e Fang Li-zhu na China vêm logo à mente – o primeiro e o último<br />

arriscando as suas vidas. Especialmente depois da invenção das armas<br />

nucleares, os cientistas têm sido pintados como cretinos étnicos. Isso é uma<br />

injustiça, considerando-se todos aqueles que, às vezes correndo um risco<br />

pessoal considerável, denunciaram o mau <strong>em</strong>prego da ciência e da tecnologia<br />

<strong>em</strong> seus próprios países.<br />

Por ex<strong>em</strong>plo, o químico Linus Pauling (1901-1994), mais do que<br />

qualquer outra pessoa, foi o responsável pelo Tratado Limitado de Interdição<br />

de Testes, de 1963, que acabou com as explosões de armas nucleares acima do<br />

solo, realizadas <strong>pelos</strong> Estados Unidos, União Soviética e Reino Unido.<br />

Pauling organizou uma intensa campanha de indignação moral e dados<br />

científicos, que ganhou ainda mais crédito pelo fato de ele ser um lauerado<br />

do Nobel. Na imprensa norte-americana, ele era <strong>em</strong> geral difamado <strong>pelos</strong><br />

seus esforços, e nos anos 50 o Departamento de Estado cancelou o seu<br />

passaporte, porque fora insuficient<strong>em</strong>ente anticomunista. O seu prêmio<br />

Nobel foi concedido pela aplicação de idéias da mecânica quântica –<br />

ressonâncias, e o que se chama hibridização de orbitais – para explicar a<br />

natureza da ligação química que reúne os átomos <strong>em</strong> moléculas. Essas idéias<br />

são agora o feijão-com-arroz da química moderna. Mas, na União Soviética, o<br />

trabalho de Pauling sobre química estrutural foi denunciado como<br />

incompatível com o materialismo dialético e declarado inacessível aos<br />

(*) Como um herói muito condecorado na União Soviética, e conhecedor de<br />

seus segredos nucleares, Sakharov, no ano de 1968, <strong>em</strong> plena Guerra Fria, escreveu<br />

corajosamente – num livro publicado nos Estados Unidos e amplamente distribuído <strong>em</strong><br />

samizdat na URSS: “A liberdade de pensamento é a única garantia contra a infecção dos<br />

povos <strong>pelos</strong> mitos de massa, que, nas mãos de hipócritas e d<strong>em</strong>agogos traiçoeiros, pode se<br />

transformar <strong>em</strong> ditaduras sangrentas”. Ele estava pensando tanto no Oriente como no<br />

Ocidente. Eu acrescentaria que a liberdade de pensamento é uma condição necessária, mas<br />

não suficiente, para a d<strong>em</strong>ocracia.

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