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Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

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Numa aplicação da falácia de selecionar as observações, as orações<br />

não atendidas tend<strong>em</strong> a ser esquecidas ou abandonadas. Mas há um ônus<br />

real: alguns dos pacientes que não são curados pela fé se acusam – talvez a<br />

culpa seja deles mesmos, talvez não tenham acreditado bastante. O ceticismo,<br />

informam-lhes corretamente, é um impedimento tanto para a fé como para a<br />

cura (pelo placebo).<br />

Quase a metade de todos os norte-americanos acredita que a cura<br />

espiritual ou mediúnica é uma realidade. Durante toda a história humana, as<br />

curas miraculosas têm sido associadas a uma ampla variedade de seres, reais<br />

e imaginados, que têm o dom de curar. A escrófula, um tipo de tuberculose,<br />

era chamada na Inglaterra de o “mal do rei”, e supostamente só era curável<br />

pelo toque da mão do rei. As vítimas pacient<strong>em</strong>ente formavam filas para ser<br />

tocadas; o monarca submetia-se durante breves instantes a mais uma<br />

obrigação penosa de seu alto cargo, e – apesar de ninguém, ao que parece, ser<br />

realmente curado – a prática continuou por séculos.<br />

Valentine Greatraks foi um famoso curandeiro irlandês do século<br />

VII. Descobriu, um pouco para sua surpresa, que tinha o poder de curar<br />

doenças, inclusive gripes, úlceras, “pisaduras” e epilepsia. A procura por<br />

seus serviços se tornou tão grande que ele não tinha t<strong>em</strong>po para nada mais.<br />

Fora forçado a se tornar curandeiro, queixava-se. Seu método era expulsar os<br />

d<strong>em</strong>ônios responsáveis pela doença. Todos os males, afirmava, eram<br />

causados por espíritos maus – muitos dos quais ele reconhecia e chamava<br />

pelo nome. Um cronista cont<strong>em</strong>porâneo, citado por Mackay, anotava que<br />

ele se vangloriava de ter mais familiaridade com as intrigas dos d<strong>em</strong>ônios<br />

do que com os negócios dos homens [...]. Tão grande era a confiança que<br />

inspirava que os cegos fantasiavam estar vendo a luz que não viam – os<br />

surdos imaginavam estar escutando –, os coxos acreditavam que estavam<br />

caminhando direito e os paralíticos que tinham recuperado o controle de<br />

seus m<strong>em</strong>bros. Uma idéia de saúde fazia os doentes esquecer<strong>em</strong> por<br />

algum t<strong>em</strong>po seus males; e a imaginação, que não era menos ativa<br />

naqueles meramente atraídos pela curiosidade do que nos doentes, dava a<br />

um dos grupos uma falsa visão, gerada pelo desejo de ver, assim como<br />

operava no outro uma falsa cura, gerada pelo forte desejo de ser curado.<br />

Na literatura mundial de exploração e antropologia, há inúmeros<br />

relatos não só de doenças que são curadas pela fé no curandeiro, mas também<br />

de pessoas que definham e morr<strong>em</strong> quando amaldiçoadas por um feiticeiro.<br />

Um ex<strong>em</strong>plo mais ou menos típico é dado por Alvar Nuñez Cabeza de Vaca,<br />

que com alguns companheiros e sob condições de terrível privação errou por<br />

terra e mar, da Flórida ao Texas e ao México, <strong>em</strong> 1528-36. As diversas<br />

comunidades de norte-americanos nativos com que ele entrou <strong>em</strong> contato<br />

ansiavam por acreditar nos poderes curativos sobrenaturais dos estrangeiros

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