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Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

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por trás de cada caso de histeria havia uma l<strong>em</strong>brança reprimida de abuso<br />

sexual na infância. Mas acabou mudando a sua explicação, para afirmar que a<br />

histeria é causada por fantasias – n<strong>em</strong> todas desagradáveis – de ter sofrido<br />

abuso sexual quando criança. O peso da culpa foi transferido do pai ou da<br />

mãe para a criança. Um debate s<strong>em</strong>elhante se alastra hoje <strong>em</strong> dia. (A razão<br />

para Freud ter mudado de idéia ainda está <strong>em</strong> discussão – as explicações vão<br />

desde ele ter provocado escândalo entre seus colegas vienenses do sexo<br />

masculino de meia-idade até ter levado a sério as histórias dos histéricos.)<br />

São muito questionáveis os casos <strong>em</strong> que a “l<strong>em</strong>brança” v<strong>em</strong> à tona<br />

de repente, especialmente com a ajuda de um psicoterapeuta ou<br />

hipnotizador, e <strong>em</strong> que as primeiras “recordações” têm uma qualidade<br />

fantasmagórica ou onírica. Muitas dessas afirmações de abuso sexual<br />

parec<strong>em</strong> ser inventadas. O psicólogo Ulric Neisser, da Universidade Emory,<br />

afirma:<br />

Exist<strong>em</strong> abusos infantis, e exist<strong>em</strong> l<strong>em</strong>branças reprimidas. Mas há também<br />

l<strong>em</strong>branças falsas e inventadas, e elas não são de modo algum raras. As<br />

l<strong>em</strong>branças errôneas são a regra, e não a exceção. Acontec<strong>em</strong> todo dia.<br />

Ocorr<strong>em</strong> até <strong>em</strong> casos <strong>em</strong> que o sujeito está absolutamente confiante –<br />

mesmo quando a l<strong>em</strong>brança é aparent<strong>em</strong>ente uma luminosidade<br />

inesquecível, uma dessas fotografias metafóricas mentais. Sua ocorrência é<br />

ainda mais provável nos casos <strong>em</strong> que a sugestão é uma possibilidade<br />

expressiva, <strong>em</strong> que as l<strong>em</strong>branças pod<strong>em</strong> ser modeladas e r<strong>em</strong>odeladas<br />

para satisfazer as fortes exigências interpessoais de uma sessão de terapia.<br />

E quando a l<strong>em</strong>brança foi reconfigurada dessa maneira, é muito, muito<br />

difícil mudar.<br />

Esses princípios gerais não nos ajudam a determinar com certeza onde<br />

está a verdade <strong>em</strong> cada caso ou afirmação individual. Mas <strong>em</strong> média, num<br />

grande número dessas afirmações, é b<strong>em</strong> evidente no que dev<strong>em</strong>os<br />

apostar. As l<strong>em</strong>branças errôneas e a reelaboração retrospectiva faz<strong>em</strong><br />

parte da natureza humana; estão associadas ao nosso território e s<strong>em</strong>pre<br />

acontec<strong>em</strong>.<br />

Os sobreviventes dos campos de extermínio nazistas fornec<strong>em</strong> a<br />

d<strong>em</strong>onstração mais clara possível de que até os abusos mais monstruosos<br />

pod<strong>em</strong> ser continuamente mantidos na m<strong>em</strong>ória humana. Na verdade, o<br />

probl<strong>em</strong>a de muitos sobreviventes do Holocausto t<strong>em</strong> sido criar uma<br />

distância <strong>em</strong>ocional entre si mesmos e os campos de extermínio, esquecer.<br />

Mas se, <strong>em</strong> algum outro <strong>mundo</strong> de maldade indizível, foss<strong>em</strong> obrigados a<br />

viver na Al<strong>em</strong>anha nazista – vamos dizer, numa próspera nação pós-Hitler<br />

com sua ideologia intata, exceto que teria mudado de idéia sobre o antis<strong>em</strong>itismo<br />

–, imagine-se o ônus psicológico para eles. Nesse caso, talvez<br />

foss<strong>em</strong> capazes de esquecer, porque recordar tornaria insuportáveis as suas

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