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Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

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que também deve ser estabelecida numa escala planetária s<strong>em</strong> precedentes.<br />

Às vezes os cientistas tentam conciliar os dois lados: aceitar o crédito<br />

por aquelas aplicações da ciência que enriquec<strong>em</strong> as nossas vidas, mas<br />

distanciar-se dos instrumentos causadores de morte, intencional ou<br />

inadvertida, que também r<strong>em</strong>ontam à pesquisa científica. O filósofo<br />

australiano John Pasmore escreve <strong>em</strong> seu livro Science and its critics:<br />

A Inquisição espanhola procurava evitar a responsabilidade direta pela<br />

execução dos hereges na fogueira, entregando-os ao poder secular;<br />

queimá-los ela própria, explicava com piedade, seria totalmente incoerente<br />

com seus princípios cristãos. Poucos de nós permitiríamos que a<br />

Inquisição limpasse assim tão facilmente o sangue de suas mãos; ela sabia<br />

muito b<strong>em</strong> o que iria acontecer. Da mesma forma, quando a aplicação<br />

tecnológica das descobertas científicas é clara e óbvia – como, por<br />

ex<strong>em</strong>plo, quando um cientista trabalha com gases que atacam o sist<strong>em</strong>a<br />

nervoso –, ele não pode propriamente alegar que “nada t<strong>em</strong> a ver” com<br />

essas aplicações, sob o pretexto de que são os militares, e não os cientistas,<br />

que usam os gases para aleijar ou matar. Isso se torna ainda mais evidente<br />

quando o cientista deliberadamente oferece ajuda a governos <strong>em</strong> troca de<br />

financiamentos. Se um cientista, ou um filósofo, aceita financiamento de<br />

um órgão como um departamento de pesquisa naval, ele não está sendo<br />

honesto se sabe que seu trabalho não será útil para fins militares, e deve<br />

assumir parte da responsabilidade <strong>pelos</strong> resultados se sabe que sua<br />

pesquisa terá utilidade. Ele está sujeito, propriamente sujeito, a elogios ou<br />

censuras <strong>em</strong> relação a qualquer inovação que provenha de seu trabalho.<br />

Um importante estudo de caso é fornecido pela carreira do físico de<br />

naturalidade húngara Edward Teller. Teller ficou marcado, ainda muito<br />

jov<strong>em</strong>, pela revolução comunista de Béla Kuhn na Hungria, quando as<br />

propriedades de famílias de classe média como a sua foram expropriadas, e<br />

por ter perdido parte de uma perna num acidente de bonde, o que lhe<br />

acarretou dores constantes. Suas primeiras contribuições abrangiam desde as<br />

regras de seleção da mecânica quântica e a física do estado sólido até a<br />

cosmologia. Foi ele qu<strong>em</strong> levou o físico Leo Szilard de carro até Albert<br />

Einstein, que tirava férias <strong>em</strong> Long Island <strong>em</strong> 1931 – um encontro que<br />

provocou a carta histórica de Einstein ao presidente Franklin Roosevelt,<br />

recomendando com insistência que, <strong>em</strong> vista dos acontecimentos científicos e<br />

políticos na Al<strong>em</strong>anha nazista, os Estados Unidos desenvolvess<strong>em</strong> uma<br />

bomba de fissão, ou “atômica”. Recrutado para trabalhar no Projeto<br />

Manhattan, Teller chegou a Los Alamos e de pronto se recusou a cooperar –<br />

não porque estivesse apavorado com o que uma bomba atômica poderia<br />

provocar, mas exatamente pelo contrário: porque desejava trabalhar numa<br />

arma muito mais destrutiva, a bomba de fusão, termonuclear, ou de<br />

hidrogênio. (Embora haja um limite superior prático para o rendimento ou

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