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Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

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Uma queixa correlata é o fato de a ciência ser d<strong>em</strong>asiado simples,<br />

d<strong>em</strong>asiado “reducionista”; ela imagina ingenuamente que no cômputo final<br />

haverá apenas algumas leis da Natureza – talvez até b<strong>em</strong> simples – que<br />

explicam tudo, que a sutileza refinada do <strong>mundo</strong>, os cristais de neve, os<br />

<strong>em</strong>aranhados da teia de aranha, as galáxias espirais e os lampejos da intuição<br />

humana pod<strong>em</strong> ser, <strong>em</strong> última análise, “reduzidos” a essas leis. O<br />

reducionismo não parece ter bastante respeito pela complexidade do<br />

Universo. A alguns parece ser uma mistura curiosa de arrogância e preguiça<br />

intelectual.<br />

A Isaac Newton – que nas mentes dos críticos da ciência personifica<br />

a “visão única” –, o Universo parecia um mecanismo de relógio. Os<br />

movimentos orbitais regulares e previsíveis dos planetas ao redor do Sol, ou<br />

da Lua ao redor da Terra, eram descritos com alta precisão, essencialmente<br />

pela mesma equação diferencial que prediz o balanço de um pêndulo ou a<br />

oscilação de uma mola. Hoje t<strong>em</strong>os a tendência de pensar que ocupamos um<br />

ponto de observação privilegiado, e sentimos pena dos pobres newtonianos<br />

por ter<strong>em</strong> uma visão de <strong>mundo</strong> tão limitada. Mas, dentro de certas limitações<br />

razoáveis, as mesmas equações harmônicas que descrev<strong>em</strong> o mecanismo de<br />

um relógio traçam realmente os movimentos dos objetos astronômicos por<br />

todo o Universo. O paralelismo não é trivial, mas profundo.<br />

É certo que não há engrenagens no sist<strong>em</strong>a solar, e que as partes<br />

componentes do relógio gravitacional não se tocam. Em geral, os planetas<br />

têm movimentos mais complicados que os pêndulos e as molas. É também<br />

verdade que o modelo do relógio não funciona <strong>em</strong> certas circunstâncias;<br />

durante períodos muito longos, os puxões gravitacionais de <strong>mundo</strong>s<br />

distantes – puxões que poderiam parecer totalmente insignificantes ao longo<br />

de algumas órbitas – pod<strong>em</strong> aumentar, e um <strong>mundo</strong> pequeno adernar e sair<br />

inesperadamente de seu curso costumeiro. Entretanto, também se encontram<br />

movimentos caóticos <strong>em</strong> relógios de pêndulo; se deslocamos o pêndulo para<br />

um ponto muito distante da perpendicular, segue-se um movimento<br />

desordenado e feio. Mas o sist<strong>em</strong>a solar funciona melhor que qualquer<br />

relógio mecânico, e toda a idéia de contar o t<strong>em</strong>po deriva da observação do<br />

movimento do Sol e das estrelas.<br />

O espantoso é que mat<strong>em</strong>ática s<strong>em</strong>elhante se aplique tão b<strong>em</strong> tanto<br />

aos planetas como aos relógios. Não precisava ser assim. Não impus<strong>em</strong>os<br />

essa característica ao Universo. É assim que ele funciona. Se isso é<br />

reducionismo, que seja.<br />

Até a metade do século XX, havia uma forte convicção – entre os<br />

teólogos, filósofos e muitos biólogos – de que a vida não era “redutível” às<br />

leis da física e da química, de que havia uma “força vital”, uma “enteléquia”,

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