20.06.2013 Views

Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

e a imperícia médica. Critica os programas de notícias por evitar<strong>em</strong><br />

estudadamente a questão. Revela o profundo menosprezo dos que curam<br />

pela fé para com seus pacientes e seguidores. Muitos são charlatães<br />

conscientes – usando a linguag<strong>em</strong> e os símbolos da Nova Era ou dos cristãos<br />

evangélicos para explorar a fraqueza humana. Talvez haja alguns que não<br />

tenham motivos venais.<br />

Ou estou sendo muito duro? Qual é a diferença entre o charlatão<br />

ocasional que cura pela fé e a fraude ocasional na ciência? É justo suspeitar de<br />

toda uma profissão por causa de algumas maçãs podres? Há pelo menos<br />

duas diferenças importantes, a meu ver. Primeiro, ninguém duvida de que a<br />

ciência realmente funcione, mesmo que de t<strong>em</strong>pos <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos sejam<br />

propostas teses erradas e fraudulentas. Mas é muito controversa a existência<br />

de alguma cura “miraculosa” pela fé que extrapole a capacidade curativa do<br />

próprio corpo. Segundo, a revelação da fraude e do erro na ciência é feita<br />

quase exclusivamente por ela mesma. A disciplina se policia – o que significa<br />

que os cientistas estão conscientes do potencial de charlatanismo e erros. Mas<br />

o desmascaramento da fraude e do erro na cura “milagrosa” quase nunca é<br />

feito <strong>pelos</strong> que curam pela fé. Na verdade, é impressionante como as igrejas e<br />

as sinagogas relutam <strong>em</strong> condenar os enganos d<strong>em</strong>onstrados no seu meio.<br />

Quando a medicina convencional fracassa, quando t<strong>em</strong>os de nos<br />

confrontar com a dor e a morte, é claro que estamos abertos a outras<br />

perspectivas que mantenham a esperança. E, afinal, algumas doenças são<br />

psicogênicas. Muitas pod<strong>em</strong> ser pelo menos amenizadas pelo pensamento<br />

positivo. Os placebos são imitação das drogas, <strong>em</strong> geral pílulas de açúcar. As<br />

companhias de medicamentos comparam rotineiramente a eficácia de suas<br />

drogas com placebos, ministrados a pacientes que têm a mesma doença e não<br />

sab<strong>em</strong> distinguir umas dos outros. Estes pod<strong>em</strong> ser espantosamente<br />

eficientes, sobretudo para gripes, ansiedade, depressão, dor e sintomas que<br />

pod<strong>em</strong> ser gerados pela mente. É concebível que as endorfinas – as pequenas<br />

proteínas do cérebro que têm efeitos s<strong>em</strong>elhantes aos da morfina – possam<br />

ser produzidas pela convicção. Um placebo só funciona se o paciente acredita<br />

que é um r<strong>em</strong>édio eficaz. Dentro de limites restritos, a esperança, ao que<br />

parece, pode ser transformada <strong>em</strong> bioquímica.<br />

Como ex<strong>em</strong>plo típico, consider<strong>em</strong>-se a náusea e o vômito que com<br />

freqüência acompanham a quimioterapia ministrada a pacientes de câncer e<br />

AIDS. A náusea e o vômito também pod<strong>em</strong> ser causados psicogeneticamente<br />

– por ex<strong>em</strong>plo, pelo medo. A droga hidrocloreto de ondansetron reduz<br />

bastante a incidência desses sintomas; mas será realmente a droga ou a<br />

expectativa de alívio? Num estudo duplamente cego, 96% dos pacientes<br />

acharam a droga eficaz. A mesma opinião de 10% dos pacientes que tomaram<br />

um placebo que se parecia com a droga.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!