20.06.2013 Views

Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>em</strong> conta o nosso des<strong>em</strong>penho na última vida, por mais viciado que o baralho<br />

tivesse estado contra nós. Ou, se houvesse um julgamento depois da morte,<br />

então – desde que representáss<strong>em</strong>os b<strong>em</strong> as personalidades que nos foram<br />

dadas nesta vida, e fôss<strong>em</strong>os humildes, fiéis e tudo o mais – deveríamos ser<br />

recompensados vivendo alegr<strong>em</strong>ente até o fim dos t<strong>em</strong>pos num refúgio<br />

permanente, longe da agonia e do turbilhão do <strong>mundo</strong>. Assim seria, se o<br />

<strong>mundo</strong> fosse ideado, pré-planejado, justo. Assim seria, se os que sofr<strong>em</strong> com<br />

a dor e o tormento recebess<strong>em</strong> o consolo que merec<strong>em</strong>.<br />

Dessa forma, as sociedades que ensinam a satisfação com o que<br />

t<strong>em</strong>os na vida, na expectativa de uma recompensa post mort<strong>em</strong>, tend<strong>em</strong> a se<br />

vacinar contra a revolução. Além disso, o medo da morte, que favorece sob<br />

alguns aspectos a adaptação na luta evolutiva pela existência, prejudica a<br />

adaptação <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos de guerra. As culturas que falam de uma futura vida<br />

de recompensas para os heróis – ou até para aqueles que apenas cumpriram<br />

as ordens das autoridades – pod<strong>em</strong> levar vantag<strong>em</strong> na luta.<br />

Assim, a idéia de que uma parte espiritual de nossa natureza<br />

sobrevive à morte, a noção de uma vida após a morte, deve ser algo que as<br />

religiões e as nações não encontram dificuldade <strong>em</strong> vender. Pod<strong>em</strong>os antever<br />

que não será muito difundido o ceticismo a respeito dessa questão. As<br />

pessoas vão querer acreditar na vida após a morte, mesmo que a evidência<br />

seja escassa e até nula. S<strong>em</strong> dúvida, algumas lesões cerebrais pod<strong>em</strong> nos<br />

roubar segmentos importantes da m<strong>em</strong>ória, ou nos transformar de maníacos<br />

<strong>em</strong> plácidos, ou vice-versa; e certas mudanças na química do cérebro pod<strong>em</strong><br />

nos convencer de que há uma enorme conspiração contra nós, ou nos levar a<br />

pensar que escutamos a voz de Deus. Mas, como esse test<strong>em</strong>unho<br />

convincente estabelece que a nossa personalidade, caráter, m<strong>em</strong>ória – se<br />

quiser<strong>em</strong>, alma – reside na matéria do cérebro, é fácil deixar de considerá-lo e<br />

procurar maneiras de evitar o peso da evidência.<br />

E, se há instituições sociais poderosas que insist<strong>em</strong> na existência de<br />

uma vida após a morte, não deve causar surpresa que os dissidentes tendam<br />

a ser poucos, quietos e ressentidos. Algumas religiões orientais, cristãs e da<br />

Nova Era, assim como o platonismo, afirmam que o <strong>mundo</strong> é irreal, que o<br />

sofrimento, a morte e a própria matéria são ilusões; e que nada realmente<br />

existe a não ser a “Mente”. Em oposição, a visão científica predominante é<br />

que a mente constitui o modo como perceb<strong>em</strong>os o funcionamento do cérebro;<br />

isto é, constitui uma propriedade das centenas de trilhões de conexões<br />

neuroniais no cérebro.<br />

Uma opinião acadêmica estranhamente <strong>em</strong> ascensão, com raízes nos<br />

anos 60, sustenta que todas as visões são igualmente arbitrárias e que o<br />

“verdadeiro” ou “falso” é uma delusão. Talvez seja uma tentativa de virar o<br />

feitiço contra o feiticeiro e atacar os cientistas que argumentam há muito

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!