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Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

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parec<strong>em</strong> ser sist<strong>em</strong>ática e institucionalmente ignorados. Há sociedades que<br />

abandonam os velhos e os recém-nascidos, que com<strong>em</strong> os inimigos, que usam<br />

conchas, porcos ou moças como moeda. Mas todas têm um forte tabu de<br />

incesto, todas usam a tecnologia, e quase todas acreditam num <strong>mundo</strong><br />

sobrenatural de deuses e espíritos – freqüent<strong>em</strong>ente ligado ao ambiente<br />

natural que habitam e ao b<strong>em</strong>-estar das plantas e animais que com<strong>em</strong>.<br />

(Aqueles que têm um deus supr<strong>em</strong>o que vive no céu tend<strong>em</strong> a ser mais<br />

ferozes – torturam os inimigos, por ex<strong>em</strong>plo. Mas essa é apenas uma<br />

correlação estatística; o elo causal não foi estabelecido, <strong>em</strong>bora naturalmente<br />

surjam especulações.)<br />

Em cada uma dessas sociedades, há um <strong>mundo</strong> acalentado de mito e<br />

metáfora que coexiste com o <strong>mundo</strong> prosaico. São feitas tentativas de<br />

conciliar os dois, e qualquer aresta nelas tende a ser considerada fora de<br />

nosso alcance e ignorada. Nós compartimentamos. É o que alguns cientistas<br />

também faz<strong>em</strong>, movimentando-se s<strong>em</strong> esforço entre o <strong>mundo</strong> cético da<br />

ciência e o <strong>mundo</strong> crédulo da crença religiosa s<strong>em</strong> perder nenhum compasso.<br />

Certamente, quanto mais inadequada for a reunião entre essas duas esferas,<br />

mais difícil é sentir-se b<strong>em</strong>, com a consciência tranqüila, <strong>em</strong> ambas.<br />

Numa vida curta e incerta, parece cruel fazer qualquer coisa que<br />

possa privar as pessoas do consolo da fé, quando a ciência não pode r<strong>em</strong>ediar<br />

a sua angústia. Aqueles que não consegu<strong>em</strong> suportar o peso da ciência têm a<br />

liberdade de ignorar os seus preceitos. Mas não pod<strong>em</strong>os fazer ciência aos<br />

pedacinhos, aplicando-a quando nos sentimos seguros e ignorando-a quando<br />

nos sentimos ameaçados – mais uma vez, porque não t<strong>em</strong>os sabedoria para<br />

tanto. A não ser dividindo a mente <strong>em</strong> compartimentos herméticos<br />

separados, como é possível voar <strong>em</strong> aeroplanos, escutar rádio ou tomar<br />

antibióticos, sustentando ao mesmo t<strong>em</strong>po que a Terra t<strong>em</strong> cerca de 10 mil<br />

anos ou que todos os sagitarianos são gregários e afáveis?<br />

Já ouvi um cético falar de modo superior e desdenhoso? Certamente.<br />

Às vezes até escutei, para minha posterior consternação, esse tom<br />

desagradável na minha própria voz. Há imperfeições humanas <strong>em</strong> ambos os<br />

lados dessa questão. Mesmo quando é aplicado com sensibilidade, o<br />

ceticismo científico pode parecer arrogante, dogmático, cruel, e s<strong>em</strong><br />

consideração para com os sentimentos e as crenças profundamente<br />

arraigadas dos outros. E deve-se dizer que alguns cientistas e céticos<br />

diligentes aplicam essa ferramenta como se fosse um instrumento grosseiro,<br />

com pouca finura. Às vezes é como se a conclusão cética viesse <strong>em</strong> primeiro<br />

lugar, como se as afirmações foss<strong>em</strong> rejeitadas antes do exame da evidência, e<br />

não depois. Todos nós acalentamos as nossas crenças. Em certo grau, elas<br />

defin<strong>em</strong> o nosso eu. Quando aparece alguém que desafia o nosso sist<strong>em</strong>a de<br />

crenças, declarando que sua base não é suficient<strong>em</strong>ente boa – ou que, como

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