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Carl Sagan, em "O mundo assombrado pelos demônios - Interessante

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S<strong>em</strong> dúvida, há necessidade de <strong>em</strong>pregar o bom senso na questão<br />

da divulgação. É importante não mistificar, n<strong>em</strong> falar com ar de<br />

superioridade. Ao tentar estimular o interesse do público, os cientistas têm<br />

ido às vezes longe d<strong>em</strong>ais – por ex<strong>em</strong>plo, ao tirar conclusões religiosas<br />

injustificadas. O astrônomo George Smoot descreveu sua descoberta de<br />

pequenas irregularidades na radiação de rádio que restou do Big Bang como<br />

“a visão da face de Deus”. O físico Leon Lederman, laureado com o Nobel,<br />

descreveu o bóson de Higgs, um tijolo hipotético de matéria, como “a<br />

partícula de Deus”, e deu esse título a um de seus livros. (Na minha opinião,<br />

são todos partículas de Deus.) Se o bóson de Higgs não existe, a hipótese de<br />

Deus é falsa? O físico Frank Tipler propõe que <strong>em</strong> futuro r<strong>em</strong>oto os<br />

computadores vão provar a existência de Deus e operar a ressurreição de<br />

nossos corpos.<br />

Os periódicos e a televisão pod<strong>em</strong> acender centelhas quando nos<br />

dão um vislumbre da ciência, o que é muito importante. Mas – à parte o<br />

aprendizado ou aulas e s<strong>em</strong>inários b<strong>em</strong> estruturados – a melhor maneira de<br />

divulgar a ciência é por meio de livros didáticos, livros populares, CD-ROMs<br />

e toca-disco a laser. Pode-se ruminar a informação, seguir o próprio ritmo,<br />

rever as partes mais difíceis, comparar os textos, compreender <strong>em</strong><br />

profundidade. Mas isso t<strong>em</strong> de ser feito de forma correta, e, sobretudo nas<br />

escolas, não é o que acontece. Ali, como diz o filósofo John Pasmore, a ciência<br />

é freqüent<strong>em</strong>ente apresentada<br />

como uma questão de aprender princípios e aplicá-los <strong>em</strong> procedimentos<br />

de rotina. Ela é aprendida nos livros escolares. Não se lê<strong>em</strong> as obras dos<br />

grandes cientistas, n<strong>em</strong> as contribuições diárias para a literatura científica<br />

[...]. Ao contrário do humanista iniciante, o cientista iniciante não t<strong>em</strong><br />

contato imediato com o gênio. Na realidade [...] os cursos escolares pod<strong>em</strong><br />

atrair para a ciência o tipo totalmente errado de pessoa – meninos e<br />

meninas s<strong>em</strong> imaginação que gostam de rotina.<br />

Sustento que a divulgação é b<strong>em</strong> sucedida se, num primeiro<br />

momento, não faz mais do que provocar a centelha do sentimento de<br />

admiração. Para tal, basta fornecer um vislumbre das descobertas da ciência,<br />

s<strong>em</strong> explicar <strong>em</strong> todos os seus detalhes como elas foram feitas. É mais fácil<br />

relatar o destino do que a viag<strong>em</strong>. Mas, s<strong>em</strong>pre que possível, os divulgadores<br />

dev<strong>em</strong> tentar relatar alguns erros, pontos de partida falsos, impasses e a<br />

confusão aparent<strong>em</strong>ente irr<strong>em</strong>ediável ao longo do caminho. Pelo menos de<br />

vez <strong>em</strong> quando, dev<strong>em</strong>os mostrar a evidência e deixar o leitor tirar a sua<br />

própria conclusão. Isso transforma a assimilação obediente do novo<br />

conhecimento <strong>em</strong> descoberta pessoal. Quando alguém faz uma descoberta<br />

por si mesmo – mesmo que seja a última pessoa na Terra a ver a luz –, jamais

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