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Contextualização teórica<br />

A presente investigação tem como referencial teórico basilar os fundamentos da Psicologia<br />

Ambiental no que concerne a relação transacional Pessoa-Ambiente. De acordo com esta<br />

perspectiva, a pessoa e o ambiente são mutuamente transformados e afectados pelo outro numa<br />

relação recíproca transacional que conduz à emergência de unidades experienciais de lugar através<br />

das características físicas e espaciais, actividades realizadas e significados atribuídos a esses<br />

lugares (Bonnes & Bonaiuto, 2002).<br />

Igualmente importante é o conceito transacional e relacional de “affordance” e o de<br />

“mobilidade”, bem como da interdependência de ambos. O primeiro foi conceptualizado enquanto<br />

possibilidades de ação disponibilizadas ao sujeito pelos elementos no ambiente através de um<br />

processo recíproco de ação-perceção que depende das características do ambiente e do sujeito<br />

(Gibson, 1979; Kyttä, 2003), do significado ambiental e das normas socioculturais (Kyttä, 2004).<br />

Vários trabalhos de investigação oriundos das mais diversas áreas de estudos da infância e focados<br />

na relação da criança com o ambiente sociofísico (e.g.: psicologia ambiental, sociologia da infância,<br />

geografia da infância) adotam a perspetiva transacional da relação criança-lugar e usam o conceito<br />

de affordance (e.g.: Christensen & Mikkelsen, 2013; Kyttä, Broberg, & Kahila, 2012; Lim & Barton,<br />

2010). Por seu lado, a “mobilidade” ou “ação” é fundamental para a pessoa entender a relação<br />

recíproca entre ela própria e o contexto sociofísico (Gunther, 2003). De acordo com Holt (1975), a<br />

mobilidade é fundamental para que a criança possa adquirir controlo físico e emocional do ambiente<br />

e construir conhecimento experiencial sobre este através do “acting-in-space” (Hart & Moore, 1973).<br />

Mais ainda, Weston (2010) demonstra que o movimento físico pelo ambiente é fundamental para as<br />

crianças e jovens aprenderem sobre este, sendo capazes de o realizarem autonomamente, com<br />

benefícios ao nível do desenvolvimento neuronal.<br />

Neste seguimento, no seio do presente estudo, o conceito de “independência de mobilidade<br />

da criança” no espaço urbano, que pode ser entendido como a liberdade de movimento das crianças<br />

e jovens para se deslocarem na sua vizinhança ou cidade, sem a supervisão adulta (Tranter, 1994),<br />

torna-se fundamental discutir. Hillman, Adam, & Whitelegg (1990) foram pioneiros no estudo da<br />

independência de mobilidade de crianças, em Inglaterra, tendo-a definido como um conjunto de<br />

licenças de mobilidade dadas às crianças pelos seus cuidadores que viabilizam a sua deslocação<br />

autónoma pelo espaço público. Segundo Neto & Marques (2007), a independência de mobilidade<br />

das crianças é um conceito que deve ser entendido numa perspetiva evolutiva do desenvolvimento<br />

da criança, na qual esta, ao longo do tempo, vai adquirindo uma representação cognitiva mais<br />

consistente do espaço que a rodeia, fruto de uma autonomia e liberdade de ação progressiva;<br />

decorrentes de uma perceção, exploração, descoberta e aprendizagem do envolvimento físico e do<br />

funcionamento deste. Mais ainda, este conceito foi integrado na construção metodológica realizada<br />

para o gerar de conhecimento relativo à relação emocional estabelecida entre as crianças<br />

participantes e o envolvimento sociofísico espacial urbano.<br />

De acordo com o relatório da UNICEF sobre o estado mundial da infância, mais de 1000<br />

milhões de crianças vivem atualmente em grandes e pequenas cidades (UNICEF, 2012). Isto<br />

significa que a experiência da infância ocorre cada vez mais em contextos urbanos. A área territorial<br />

deste estudo é urbana e corresponde ao município de Oeiras onde, em 2014 (aquando da realização<br />

da recolha de dados), 15.8% da população era constituída por crianças com idades entre os 0 e os<br />

14 anos 14 . Uma pesquisa internacional recente concluiu que as crianças portuguesas gozam dos<br />

níveis mais baixos de independência de mobilidade. Num conjunto alargado de 16 países, Portugal<br />

ocupa a 14.ª posição, ao lado da Itália, logo seguida pela África do Sul; o lugar cimeiro é tomado<br />

pela Finlândia, seguida pela Alemanha e Noruega, em 15.º e 14.º, respetivamente (Shaw et al.,<br />

2015). Investigações recentes efetuadas sobre o nível de independência de mobilidade das crianças<br />

em Portugal concluíram que a mobilidade autónoma das crianças portuguesas em meio urbano é<br />

menor do que em meio rural(Cordovil, Lopes, & Neto, 2015; Lopes, Cordovil, & Neto, 2014).<br />

A criança portuguesa do século XXI encontra-se excluída do espaço público urbano, o seu<br />

corpo está alienado de uma vivência corporal na cidade. A criança e a urbe encontram-se<br />

desencontradas e a sua reconciliação é urgente e preciosa (Lopes & Neto, 2014). A exclusão da<br />

criança do espaço público urbano é uma consequência das fortes restrições à sua autonomia e<br />

liberdade de circulação, fruto de uma cultura dominante “motorizada” que sujeita a criança a<br />

percecionar a cidade a partir do banco traseiro do automóvel(Lopes et al., 2014). Em simultâneo, e<br />

ao longo de décadas, as políticas municipais para a cidade, nomeadamente, nos países<br />

mediterrâneos, centram-se no adulto enquanto ser que se desloca de modo motorizado;<br />

14<br />

Fonte: Pordata, extraído de http://www.pordata.pt/DB/Municipios/Ambiente+de+Consulta/Tabela, acedido a<br />

02/03/16.<br />

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