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que podemos apontar é que este estado provoca uma diminuição na potencialidade da<br />

apropriação infantil do espaço público nos demais estados de liberdade.<br />

O estado de não-liberdade, quando provocado por agentes ou fatores externos à criança, coloca<br />

essa infância em uma situação de “privação urbana” 29 , impedindo que mantenha contato com<br />

esse espaço representativo da construção das sociabilidades. Assim, a experiência provocada<br />

por esse estado pode ser entendida com uma experiência espacial vazia, quando não carregada<br />

de imagens produzidas por representações desvirtuadas da realidade.<br />

Em casos extremos, unem-se à inexistência ou inadequação dos espaços públicos questões<br />

familiares (e do contexto) que impedem a criança de estar em contato com esses espaços.<br />

Qual a relação que se estabelece entre a criança e o espaço público, quando o que ela escuta<br />

promove a desqualificação desse espaço? Encontramos nas falas das crianças a reprodução de<br />

discursos sobre a violência no espaço público. São representações negativas feitas pelas<br />

próprias crianças, que mostram como o estado de não-liberdade pode gerar representações do<br />

espaço formadas por imagens muitas vezes distorcidas de uma realidade. Porém, é bom lembrar<br />

que, mesmo distorcidas, essas imagens pertencem à experiência do vivido da criança.<br />

Por outro lado, a experiência da não-liberdade nem sempre será negativa ou completamente<br />

negativa. Nas possibilidades de associação entre as liberdades, quando a não-liberdade se<br />

associa com a liberdade ativa, podemos encontrar a formação de algo muito potente. O estado<br />

de privação de liberdade, seja pelo constrangimento causado pelo adulto ou pela<br />

indisponibilidade espacial (existência ou qualidade) pode gerar (gestar) uma força reativa/criativa<br />

que poderá se consolidar quando concomitante com a liberdade ativa. Encontramos nesta<br />

investigação a produção concreta de um espaço de brincadeira pelas próprias crianças – um<br />

campinho de futebol construído em uma área vazia remacescente de uma ocupação. Outro tipo<br />

de experiência é aquela gerada a partir de um descontentamento com determinada situação, o<br />

que pode provocar uma reação e um posicionamento crítico diante do fato. Novamente, nestes<br />

casos, existe uma associação com a liberdade ativa.<br />

Conclusões<br />

Por mais difícil que seja falar em liberdade, ou no exercício da liberdade, falamos sobre relações<br />

– do indivíduo consigo mesmo, do indivíduo com um coletivo, entre coletivos e de todos esses<br />

sujeitos com o seu espaço. Por isso afirmamos que a prática espacial é também uma das<br />

dimensões do exercício e da construção da liberdade. Na apropriação espacial infantil<br />

conseguimos observar os diferentes tipos de liberdade a que essa prática está sujeita. Através<br />

da experimentação, a criança vai percebendo as limitações de suas ações e percebendo também<br />

que algumas dessas limitações podem ser superadas, seja pela coragem, pela criatividade, pela<br />

negociação ou pela transgressão.<br />

Ao se colocarem no espaço público, em suas práticas diárias, seja por vontade própria ou para<br />

cumprir exigências, as crianças do Centro estão diante de um espaço que, embora reúna regras<br />

e normas, leis e morais, assim como a escola e a casa, é um espaço mais plural, que agrega<br />

diferentes pessoas, objetos e relações. Isso exige da criança múltiplas formas de se relacionar,<br />

potencializando também o seu processo de socialização e constituição como um ser também<br />

plural. Nesse espaço, o ofício da criança se expande, torna-se múltiplo, plural. A criança não é<br />

mais somente filha(o) ou aluna(o); é também brincante, habitante, usuária(o), moradora(or),<br />

cidadã(o) etc., e tem de enfrentar todos os desafios e conflitos próprios desses ofícios<br />

acumulados.<br />

Com a sobreposição e associação dos estados de liberdade (ativa, condicionada, liberdade<br />

necessária e não-liberdade) surgem os espaços de liberdade, em seus tempos e espaços<br />

registrados, em suas apropriações e experiências existentes e possíveis. São espaços definidos<br />

a partir da prática espacial (percebido) da criança e da sociedade na qual está inserida, das<br />

representações do espaço (concebido) e dos espaços de representação (vivido) da infância e da<br />

sociedade como um todo. Espaços e estados de liberdade que, como espaços concretos e<br />

abstratos, ora se apresentam como definidos pela prática social (espacial) das crianças ora<br />

definidores dessas práticas.<br />

O espaço público torna-se palco emblemático desses estados, onde os movimentos de todas as<br />

naturezas acontecem, principalmente nos estares e nos percursos e caminhadas ao longo de<br />

29 Para Castro, ao analisar o cotidiano de crianças e jovens cariocas em relação à partcipação no espaço<br />

urbano, afirma que estas categorias “inserem-se numa situação singular de 'privação urbana' seja pela<br />

condição de estranhamento frente à 'obra' da qual não tiveram participação, seja pela condição de<br />

parcialidade inexorável de onde re-significam a espacialidade urbana.” (CASTRO, 1998, p.124)<br />

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