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Espera-se que uma Cidade Amiga das Crianças crie contextos adequados para que as crianças<br />
sejam informadas, escutadas e consultadas sobre assuntos da Cidade, da vida coletiva<br />
superando as formas de participação tradicionais que embora possam dar visibilidade social às<br />
crianças e às suas competências sociais, afetivas e cognitivas individuais, não são vividas pela<br />
maioria das crianças como formas genuínas de exercício de direitos próprios, na medida em que<br />
o seu comportamento ou contributo é manipulado pelos adultos; muitas vezes, têm um papel<br />
decorativo, sendo a sua voz “usada” como ressonância da voz dos adultos.<br />
Para que a participação das crianças na Cidade seja autêntica torna-se indispensável que se dê<br />
especial atenção às circunstâncias históricas concretas da sua existência social enquanto<br />
segmento da população que é, simultânea e contraditoriamente, invisível e visado por discursos<br />
e por políticas sociais que concedem aos adultos a capacidade de suprir as suas necessidades<br />
e o poder de (re) definir os seus direitos como deveres o que tem implicações nas suas vidas.<br />
“Los niños, al perder las ciudades, han perdido la posibilidad de vivir experiencias necesarias para<br />
ellos, para su correcto desarrollo, como el juego, la exploración, la aventura. Las ciudades, al<br />
perder a los niños, han perdido seguridad, solidaridad, control social. Los niños necesitan a la<br />
ciudad; la ciudad necesita a los niños” (Tonucci, 2009:147).<br />
Repensar a cidade como espaço público e a participação das crianças como afirmação da<br />
cidadania das crianças exige também que a criança-cidadã seja reconhecida também na sua<br />
diferença, ou seja, nas formas múltiplas, fragmentárias e difusas, em que se exprime a cidadania<br />
infantil. Como refere Sarmento, a criança não o poderá ser sozinha, dependerá sempre do adulto<br />
para a construção do universo de referências, de direitos e de condições sociais em que pode<br />
ocorrer a cidadania plena. Sendo assim considerada uma condição social que tem vindo a ser<br />
reconhecida e proclamada e que, em simultâneo, está tão ameaçada e comprometida (cf.<br />
Sarmento 2012, 45-49).<br />
Neste sentido, parece-nos importante problematizar, por um lado, o modo como o tempo das<br />
crianças é estruturado pelos afazeres e interesses dos adultos e da sociedade e, por outro, como<br />
o tempo assim estruturado é percecionado e apropriado por elas. Quisemos identificar o que é<br />
percebido e sentido como constrangimento e/ou como oportunidade de agirem segundo os seus<br />
próprios interesses na escola e nos outros contextos socioeducativos que foram criados em<br />
nome da reprodução e transformação social e cultural.<br />
Para tal, parece-nos importante considerar brevemente as conceções de infância em que<br />
assenta o estatuto das crianças como sujeito de direitos capazes de reclamar condições de<br />
participação também em decisões tomadas na esfera pública e onde se manifesta a sua<br />
competência como atores sociais, potencialmente interessados no bem comum e melhoria da<br />
qualidade de vida coletiva.<br />
Uma primeira consideração vai no sentido de reconhecer que o discurso sobre os Direitos da<br />
Criança está cada vez mais presente no universo social habitado por profissionais que se<br />
ocupam da provisão de serviços para a infância e da gestão de medidas de proteção social em<br />
situação de risco e de perigo. O debate sobre a qualidade dos serviços para a infância e a<br />
crescente denúncia do incumprimento ou da violação dos direitos da criança é cada vez mais<br />
mobilizado em nome da salvaguarda da integridade e igual dignidade humana das crianças,<br />
relativamente a outros grupos geracionais.<br />
Esta forma de apropriação do discurso sobre os direitos da criança é consistente com o<br />
“sentimento de infância”, que segundo Ariés surgiu na Europa entre o século XVI e XVIII,<br />
momento em que as crianças começaram a ser afastadas do mundo dos adultos. Reconhecese,<br />
no entanto, que esta mudança não ocorreu ao mesmo tempo e da mesma forma em todos<br />
os grupos ou contextos geográficos, históricos e sociais. Foi apenas entre o século XIX-XX que<br />
a criança foi progressivamente reconhecida como titular de um tipo específico de direitos<br />
humanos, conceção que se expressa na Declaração dos Direitos da Criança (1959), na<br />
celebração do Ano Internacional da Crianças (1979) e que ganha força de lei internacional com<br />
a ratificação da Convenção dos Direitos da Criança (CDC) (1989) pela maioria dos países.<br />
O estatuto da criança e a condição da infância podem ser abordados por um discurso que coloca<br />
a tónica nos direitos ou nas necessidades, conforme sugere Fernandes (2009:27) referindo<br />
Alderson. O enfoque do discurso nas necessidades dá-nos, segundo a autora, uma visão<br />
orientada para a solução de problemas específicos e urgentes que merecem atenção e ação<br />
rápida e imediata. Ao centrar-se em algo específico a ser atendido, segundo a perspetiva do<br />
problema e vontade do adulto, este discurso converte a criança num sujeito passivo o que se<br />
traduz numa “imagem assistencialista da infância”. A vitimização da criança que daí pode surgir<br />
contraria o propósito de garantir o desenvolvimento da sua autonomia enquanto sujeito e cidadã.<br />
O efeito oposto pode ser conseguido por um discurso que dê ênfase aos direitos da criança e<br />
que nos remete para uma visão integral da infância e da criança como sujeito de direitos, ou seja,<br />
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