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engendram, de um lado, um espaço mental, abstrato, lógico e, de outro, um espaço simbólico,<br />

imaginário – que também tensionam entre si. Para Lefebvre, o espaço mental (o concebido)<br />

reúne aspectos hegemônicos da vida social, presentes no que ele chama de representações do<br />

espaço; já o espaço simbólico (o vivido) revela como essas relações se articulam socialmente,<br />

registradas nos espaços de representação. Prática espacial, representações do espaço e<br />

espaços de representações constituem as três dimensões da produção do espaço e permitem<br />

compreender e analisar processos espaciais em três diferentes níveis: material, mental e<br />

simbólico.<br />

Em sua definição de prática espacial, Lefebvre afirma também que “Ao que concerne ao espaço<br />

social e à relação de cada membro de uma sociedade determinada com o espaço, esta coesão<br />

implica, por sua vez, um nível de competência e uma certa performance” 22 . Com isso, o autor<br />

nos coloca a possibilidade de pensar a prática espacial também do ponto de vista de um sujeito<br />

específico e não somente a partir de uma visão mais geral, de sociedade. Assim, pensar a prática<br />

espacial da criança, é também buscar compreender sua ação no espaço – social e urbano – a<br />

partir de suas competências e performance nestes espaços. A Sociologia da Infância nos aporta,<br />

nesse momento, com uma substancial produção sobre as competências infantis, desde a<br />

problematização e questionamento da noção de criança utilizado pelas ciências até a segunda<br />

metade do século XX, passando pela construção de um entendimento da infância enquanto<br />

construção social, até o reconhecimento nas últimas décadas da criança como um ator social<br />

pleno, co-construtor da sociedade (ARIÉS, 1978 [1960]; CORSARO, 2011; QVORTRUP, 2011;<br />

SIROTA, 2001). Portanto, do ponto de vista de sua prática espacial, a criança pode ser<br />

reconhecida como um sujeito hábil e competente na apropriação 23 dos espaços públicos das<br />

cidades. Contudo, a apropriação dos espaços não depende apenas da competência infantil. A<br />

performance das crianças nesses espaços será definida também em função das “condições<br />

limitantes da aplicação dessa[s] competência[s]”. Nesta investigação, atribuímos tais condições<br />

ao que denominamos como estados de liberdade.<br />

Liberdade, autonomia e independência<br />

Pensar a relação da criança com o espaço urbano em termos de liberdade, autonomia e<br />

independência exige que sejam feitas algumas considerações. O mundo moderno carregou os<br />

significados de liberdade e independência de noções que remetem à valorização da<br />

individualidade, a liberdade de escolha e a independência para consumir cada vez mais, quanto<br />

mais forem as possibilidades de escolhas disponíveis 24 . Entretanto, as relações que buscamos<br />

estabelecer neste trabalho se referem à liberdade que pode ser atribuída à infância, em relação<br />

ao uso e à apropriação do espaço. Nosso interesse está no exercício e na construção da<br />

liberdade relacionados à prática espacial no espaço público, em que se associam as ideias de<br />

autonomia e independência e onde se reconhece a existência de limites, imposições, restrições<br />

e constrangimentos à ação infantil.<br />

22<br />

Ao afirmar sobre a competência e performance dos membros de uma sociedade, Lefebvre filia ambos<br />

os termos à linguística de Noam Chomsky (LEFEBVRE, 2013, P.92). Embora afirme que, de maneira<br />

alguma, isto signifique uma subordinação à tal teoria, esses dois conceitos são fundamentais para nossa<br />

investigação sobre a prática espacial da criança. Uma ótima síntese da definição dos termos<br />

competência e performance, segundo a linguística chomskiana, é apresentada pelo filósofo Manfredo<br />

Araújo de Oliveira: “‘Competência’ é capacidade de um falante ideal de dominar um sistema abstrato de<br />

regras gerativas de linguagem. O falante real, isto é, o empírico, atualiza essa competência sempre<br />

dentro de condicionamentos limitantes. A linguagem concreta é, então, explicável a partir de dois<br />

constituintes fundamentais: a competência e as condições limitantes da aplicação da competência”<br />

(OLIVEIRA, 1996, p. 294):<br />

23<br />

A noção de apropriação que utilizamos neste momento vai bem além do que propõe Lefebvre (1978;<br />

2013) ao concebê-la apenas como uma apropriação material ou sensorial. A nossa compreensão associa<br />

a concepção lefebvriana à forma como este conceito vem sendo desenvolvido pela Psicologia Ambiental,<br />

a qual, além de designar uma ação do sujeito sobre o espaço, tornando-o (simbolicamente) seu, refere-se<br />

também à constituição do sujeito na sua própria ação. Assim, a apropriação é definida, segundo essa<br />

disciplina, como um processo complexo em que “o sujeito se faz a si mesmo, através de suas próprias<br />

ações” (KOROSEC, 1976 apud POL, 1996) e como “um sentimento de possuir e gestionar um espaço –<br />

independente da propriedade legal – por uso habitual ou por identificação” (KOROSEC, 1976 apud POL,<br />

2002).<br />

24 Essa afirmação é feita por Mattos e Castro (2008), no texto “Ser livre para consumir ou consumir para<br />

ser livre”, no qual discutem de que forma a experiência de liberdade vem sendo significada e vivida por<br />

jovens cariocas.<br />

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