livro_atas
livro_atas
livro_atas
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
territorialidades e evitando fixações, na tentativa de fugir da lógica da repressão policial, que tem<br />
áreas delimitadas de atuação por comandos, na cidade. Os entrevistados tinham sempre a<br />
preocupação de que a nossa presença os del<strong>atas</strong>sem. Por várias vezes, no meio da entrevista,<br />
saiam correndo e diziam: “vaza tia”, pela proximidade de um policial ou de um traficante e o risco<br />
que representávamos para eles.<br />
À noite eles circulam até tarde e dormem camuflados debaixo de moitas, atrás de becos escuros,<br />
em casas e construções abandonadas, dentro de bueiros entre outros, como mostra a tabela 3<br />
(“onde costumam dormir”). Os mocós não são mais fixos, pois elas têm medo de se fixarem, a<br />
polícia toca fogo e queima os seus colchões, tomam a comida e joga no chão, batem e os<br />
expulsam dos locais. Algumas se juntam aos adultos moradores de rua em busca de proteção,<br />
mas estes também estão apanhando da polícia e sendo exterminados. Encontramos adultos e<br />
crianças machucadas. Nas entrevistas eles diziam: “tia dá um jeito de tirar ‘o fulano’ dessa região<br />
senão ele vai matar a gente” e dizia o nome indicado na lapela do uniforme do policial. Em uma<br />
das entrevistas ficamos sabendo, através dos meninos, que já tinha policial retirando o nome do<br />
uniforme para não ser reconhecido.<br />
Quando perguntamos: “o que dizem os polícias quando batem em vocês?”. Elas nos<br />
responderam: “querem que a gente dê conta dos traficantes”. Perguntamos: para quê? Pois a<br />
região onde há mais fixação dos meninos são aquelas protegidas pelo tráfico: região do Dergo,<br />
Favela Lobo e Favelinha da Linha do Trem. Tivemos informação de 23 meninos aquartelados na<br />
Favelinha do Trem sob a segurança dos traficantes que os “protegiam” da polícia, de grupos<br />
rivais do tráfico e dos receptadores de produtos roubados, da Favela Lobó. Os dois grupos<br />
estavam em rivalidade porque os meninos foram obrigados a delatar os receptadores da Favela<br />
Lobó, para a polícia. Esse fato decorreu de um roubo que aconteceu nos dias de realização da<br />
pesquisa e os produtos foram receptados na Favela Lobo. O acesso às crianças sem lugar só<br />
foi possível com a colaboração de um membro da Pastoral do Menor que tem uma relação de<br />
confiaça com eles, só assim foi possível concluirmos a pesquisa.<br />
Considerações finais. O que apresentamos é apenas uma reflexão fundamentada acerca de<br />
alguns dados e da experiência de campo. A pesquisa é rica, complexa e traça um perfil extenso<br />
dos sujeitos pesquisados. Estabelece um amplo diálogo com várias instituições do sistema de<br />
Garantia de Direitos. No entanto, os dados não estão disponíveis para análises mais detalhadas,<br />
pois a pesquisa foi inviabilizada pelos equívocos da Meta na metodologia de campo, em âmbito<br />
nacional. O poder público mais uma vez joga dinheiro pelo ralo e incomoda sujeitos em situação<br />
limite, para nada. Esta escrita após cinco anos de silêncio é uma tentativa de desabafo e<br />
denúncia em nome das crianças sem lugar (cerca de 160) cuja maioria já foi exterminada.<br />
Questionamos, portanto, qual o real alcance da pesquisa científica na área social e educacional<br />
para as transformações da realidade, sobretudo, em se tratando de vidas que estão no limite<br />
com a morte? Até que ponto, nós, pesquisadores, não somos invasivos com vidas tão frágeis,<br />
para as quais os resultados dos nossos trabalhos, quase sempre não os atinge diretamente?<br />
Como equacionar essa questão que consideramos do campo da ética, entre realizarmos nossas<br />
pesquisas e, de algum modo, garantir que elas produzam efeitos positivos na vida desses<br />
sujeitos? Por que razão temas tão antigos e recorrentes como estes do abandono de crianças e<br />
da moradia nas ruas, não encontra uma solução viável? Por que razão as políticas públicas não<br />
dão conta desta questão?<br />
Referências<br />
Corrêa, Mariza. A cidade de menores: uma utopia dos anos 30. In. Freitas, Marcos Cezar<br />
de (Org). 2011. História social da Infância no Brasil. 8.ª ed. São Paulo, Cortez.<br />
Foucault, Michel. 2001. Os Anormais – aula de 8 de janeiro de 1975: os exames psiquiátricos.<br />
Trad. Eduardo Brandão, São Paulo: Martins Fontes.<br />
_____________. 2008. Segurança, Território, População. São Paulo: Martins Fontes;<br />
_____________. 1979. A microfísica do poder. 9.ª ed.. Org. e Trad. Roberto Machada. Rio de<br />
Janeiro: Graal.<br />
Foucault, Michel. O sujeito e o poder. 1995. In: Hubert, L. Dreyfus e Rabinow, Paul. Uma<br />
trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Trad. Vera Porto<br />
Carrero. 2.ª ed. São Paulo: Forense Universitária, pp. 231-249.<br />
Freitas, Marcos Cezar de (Org). 2011. História social da Infância no Brasil. 8.ª ed. São Paulo,<br />
Cortez<br />
184