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Ao pensar a criança e a liberdade, longe de repetir uma defesa da individualidade almejada pelo<br />

pensamento liberal, propomos, na verdade, uma problematização de questões onde se propõe<br />

retirar a criança da individualidade doméstica, ou da subjugação na relação adulto-criança,<br />

trazendo-a para o contexto social, inserindo-a na sociedade e tornando-a, bem como a sua<br />

prática, visível neste espaço. Seria um inserir no exterior. Propomos então discutir a<br />

(in)visibilidade da infância na cidade, buscando “libertar conceitualmente” a criança da família e<br />

da educação, colocando em pauta a sua relação com o espaço público (social), ao mesmo tempo<br />

em que tencionamos a produção deste.<br />

Dessa forma, entendemos também que o conceito de “liberdade” abriga as noções de<br />

“autonomia” e “independência” em que se reconhece mais claramente a existência de um sujeito<br />

com desejos e vontades, mas que sofre limitações, restrições e constrangimentos de origem<br />

interna e/ou externa. Nem sempre é apenas o desejo do sujeito, sendo positivado, que define a<br />

construção de um estado de liberdade.<br />

A princípio, a ideia de autonomia pode ser conflitiva com a ideia de liberdade, isso porque, pensar<br />

em um indivíduo autônomo pode ser idealizar uma vida que pode ser vivida fora de qualquer<br />

sociedade, sem pertencer a uma complexa rede de interdependência, quando a ideia de<br />

liberdade, justamente, se opõe a isso: a liberdade envolve a constante negociação entre sujeitos<br />

na convivência humana, gerando conflitos, embates e desentendimentos. Contudo, no caso da<br />

criança, podemos entender “autonomia” como uma forma de desprendimento/distanciamento do<br />

domínio adulto sobre a infância. Propomos, neste trabalho, uma noção de autonomia relacionada<br />

à ação que exige uma reflexão do sujeito-criança que formula e segue, naquele instante, “suas<br />

próprias leis”, assumindo com isso as possíveis consequências. Mas é preciso colocar que<br />

estamos falando, por um lado, de crianças de uma faixa etária específica (8 a 12 anos) com um<br />

tipo de experiência social e espacial que lhes exige uma noção, mesmo que incipiente, de<br />

responsabilidade, causa-e-efeito, dependência; por outro lado, entendemos que falar em regras,<br />

leis e responsabilidades é bastante relativo, podendo-se tomar como referência, por exemplo, a<br />

compreensão da própria criança a respeito dessas dimensões.<br />

Por outro lado, a “independência”, que aparece em muitos dicionários como um sinônimo de<br />

autonomia, deve ser entendida nesta investigação com outro significado: fica vinculada às<br />

permissões dadas, à quantidade e intensidade dessa independência, sempre relacionada a algo<br />

que lhe é atribuído. O nível de independência da criança está sujeito às permissões dadas pelo<br />

adulto (responsável). Ou, entendida de outro modo, a independência está na ação realizada sob<br />

condição, qual seja: a permissão do responsável.<br />

Estados e Espaços de Liberdade<br />

A partir do entendimento que propomos dos conceitos de liberdade, autonomia e independência,<br />

podemos pensar como eles atuam na prática espacial infantil quando esta se dá nos espaços<br />

públicos da cidade. O que propomos como estados de liberdade e espaços de liberdade são<br />

dimensões da prática espacial infantil que se referem, respectivamente, a aspectos discursivos<br />

e práticos, por um lado, e práticos e concretos, por outro. Enquanto os estados de liberdade são<br />

definidos pelas redes que se articulam ao redor de determinada criança, os espaços de liberdade<br />

são definidos pela articulação entre os estados de liberdade e o espaço, isto é, quando esses<br />

estados são definidos também por um tempo e lugar.<br />

A princípio os estados de liberdade podem ser definidos a partir das quatro formas de associação<br />

propostas entre o desejo e a ação da criança em sua prática espacial: desejo e ação, a qual<br />

denominamos estado de liberdade ativa e onde a criança pratica uma ação de seu desejo, sem<br />

interferência direta do adulto; desejo e ação condicionada, sendo este o estado de liberdade<br />

condicionada, onde a ação desejante da criança fica subordinada a uma permissão do adulto<br />

(responsável); ação sem desejo, o estado de liberdade necessária, no qual a ação da criança<br />

não é fruto de sua vontade, mas de uma imposição do adulto; e desejo sem ação, como o estado<br />

de não-liberdade, onde a criança não consegue realizar a ação de seu desejo, por impedimentos<br />

externos (falta de permissão/falta de condições socioespaciais) ou internos à própria criança<br />

(medo ou ausência de habilidades). No entanto, neste trabalho, assumimos que essas<br />

associações ilustram as possibilidades ou impossibilidades de a criança estar ou não, a agir ou<br />

não no espaço público, e que tais possibilidades se estabelecem a partir dos contextos nos quais<br />

ela está inserida. Acreditamos que esses estados regem o estar infantil no espaço público,<br />

determinando, desse modo, sua prática espacial.<br />

A investigação empírica dos estados de liberdade se inicia com um recorte social e espacial:<br />

crianças de 8 a 12 anos, de famílias pobres, moradoras do Centro da Cidade de Salvador. Definir<br />

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