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este como um estado de liberdade 26 .<br />

A obrigação de frequência escolar, determinada pelo Estado, define que, pelo menos por meio<br />

período do dia, a criança esteja dentro de uma instituição. Essa obrigatoriedade é o principal<br />

fator que define o estado de liberdade necessária, fazendo com que as crianças mantenham<br />

diariamente (pelo menos nos dias da semana) algum tipo de contato com o espaço público da<br />

cidade, através do deslocamento casa-escola 27 . Observamos que este contato pode ser mais ou<br />

menos intenso a depender do tipo de modal que a criança utilize nesse deslocamento (a pé, de<br />

ônibus, de carro). Nos casos estudados, a liberdade necessária também está presente em outras<br />

ações, determinadas por outros agentes, como por exemplo, nas solicitações feitas pelos pais<br />

para que a criança cumpra determinada função como levar o cachorro para passear, colocar o<br />

lixo para fora, comprar pão, ou qualquer outro produto para uso doméstico. Comprar pão parece<br />

ser, para as crianças do centro, uma atividade própria da criança. Por ser uma imposição,<br />

normalmente deixa-se de fazer o que se está fazendo para cumprir tal tarefa.<br />

Dessa maneira, podemos entender esse tempo como um tempo gerido tanto pela família quanto<br />

pelo Estado. É um tempo controlado e quantificado. Sabe-se que o Estado determina a<br />

quantidade de horas que a criança deve permanecer na escola. O horário de entrada e de saída<br />

e o tempo das atividades. Nos projetos sociais ou na banca 28 não é diferente. Em uma situação<br />

doméstica, nas atividades designadas pelo adulto, o tempo da liberdade necessária embora<br />

possa ser negociado com a criança, é definido, em última instância, pelo do adulto.<br />

O espaço da liberdade necessária, na maioria das vezes, se caracteriza pela extensão. Quase<br />

sempre registra-se neste espaço as maiores distâncias percorridas pela criança sozinha ou em<br />

grupos de crianças. Assim, é na liberdade necessária que a criança encontra-se mais exposta<br />

ao espaço urbano. Note-se que estamos falando de exposição e não de um tipo de contato que<br />

provoca, de imediato, afetos. Isto é, estar exposto ao espaço, não implica necessariamente ser<br />

atingido (intensamente) pelos elementos e acontecimentos presentes, embora esteja suscetível.<br />

E é esta possibilidade, de ser atravessado por esses acontecimentos e de poder responder a<br />

eles, que faz com que este também seja um estado de liberdade.<br />

É difícil fazer uma descrição do espaço engendrado por este estado de liberdade, porque ele<br />

não se constitui por apenas um estado. Quando falamos do espaço público e da ação da criança<br />

em uma situação real, os estados de liberdade quase sempre estão sobrepostos. Porém, se<br />

isolamos o estado de liberdade necessária, sem a associação com outros estados de liberdade,<br />

então, podemos afirmar que este será um espaço definido pelo adulto. Trata-se do espaço de<br />

uma necessidade, construída social e familiarmente.<br />

Por se caracterizar como um espaço de maior extensão, no espaço se estabelece maior contato<br />

com a diversidade de elementos do espaço público, objetos, pessoas e ações. Embora este<br />

contato seja teoricamente superficial, devido ao tempo de contato.<br />

É um espaço que é ou torna-se conhecido. Para que a criança possa estar sozinha,<br />

desacompanhada de um adulto ou responsável, em um determinado lugar ou percurso, e para<br />

que se sinta minimamente confiante, é preciso que conheça, mesmo que superficialmente, esse<br />

espaço. Um estado que se inicia por uma imposição (estado de liberdade necessária), mas que,<br />

à medida que vai sendo exercitada esta “liberdade imposta”, se vai ganhado confiança,<br />

possibilitando o aparecimento de outros estados de liberdade dentro deste.<br />

Existe produção de espaço em um estado de liberdade necessária? Podemos analisar da<br />

seguinte maneira: o desejo da criança pode não estar envolvido nesta ação, mas ela a pratica.<br />

Percebemos, nos espaços públicos da cidade, nas ruas, pontos de ônibus, realizando trajetos,<br />

sobretudo nos horários de chegada e saída das escolas, a presença da criança, individualmente<br />

ou em grupo, mas que, neste momento, mesmo não estando efetivando um desejo individual (ou<br />

26 Não seria errado afirmar que tal situação pode ser também interpretada como uma situação de nãoliberdade,<br />

visto que trata-se de uma imposição de uma ação e que o desejo da criança não está em<br />

questão. Porém, consideramos que, nos termos em que propomos a discussão sobre liberdade, criança e<br />

espaço, a possibilidade de a criança estar (sozinha) no espaço público, deve ser entendida como uma<br />

situação de liberdade.<br />

27 Podemos afirmar que este fator está presente na vida das crianças de outras faixas de renda. O contato<br />

com o espaço público, por mais rápido e insignificante que seja, ainda se mantém graças a obrigação de<br />

frequência escolar.<br />

28<br />

Banca é uma expressão usada pela população soteropolitana para se referir a “reforço escolar”, sendo<br />

um serviço bastante utilizado pelas famílias de menor renda que não têm disponibilidade de acompanhar<br />

diariamente as tarefas escolares de seus filhos em casa, seja pela falta de tempo ou de instrução.<br />

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