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de um sujeito ativo com capacidade de opinar, debater, questionar, que participa, que pressupõe<br />

a “responsabilização política e moral” (cf. Fernandes, 2009:28).<br />

Assim, embora a Convenção sobre os Direitos das Crianças tenha criado a possibilidade dos<br />

sujeitos-criança reclamarem individual ou coletivamente o reconhecimento, o respeito e<br />

cumprimento dos seus direitos humanos, seria preciso criar condições especiais para que a<br />

maioria das crianças pudesse reconhecer, nestes direitos, um instrumento que as habilita a<br />

preservar a sua dignidade, a fortalecer a sua posição e influência na sociedade pela sua<br />

participação, conforme defende Gaitan (2011).<br />

Apesar de haver um consenso em torno das propostas contidas no programa da Cidade Amiga<br />

das Crianças, designadamente no que se refere à necessidade de (i) uma política coordenada<br />

para a infância e adolescência que potencie a articulação entre todos os sectores municipais<br />

(educação, habitação, cultura, lazer e tempos livres), (ii) o estabelecimento de parcerias com<br />

instituições e entidades da comunidade que trabalham com e para as crianças, escolas,<br />

hospitais, centros de saúde, museus, tribunais; há barreiras culturais, psicossociais e materiais<br />

que resistem à inclusão das crianças como sujeitos e potenciais parceiros dos adultos neste tipo<br />

de iniciativas.<br />

A implicação das crianças tende a mantê-las no papel de objetos de socialização pelo adulto que<br />

é típica dos ambientes especiais que são organizados para elas, em função de objetivos didáticopedagógicos<br />

e de uma conceção restrita do seu desenvolvimento e aprendizagem social. Temos<br />

verificado que, apesar de se reconhecerem as mudanças na vida das crianças geradas pelo<br />

poder e acessibilidade das novas tecnologias de informação e comunicação, pela presença cada<br />

vez maior da mulher no mercado de trabalho e consequente influência nos papéis e formas de<br />

organização do espaço doméstico, onde se sente o impacto do empobrecimento e exclusão de<br />

grandes setores da população, pouco é questionado sobre os novos papéis desempenhados<br />

pelas crianças na sociedade.<br />

É neste contexto de mudança que perspetivamos a oportunidade da escola pensar sobre si<br />

mesma como espaço entre espaços da cidade e lugar de inclusão social, enquanto única<br />

instituição por onde passam obrigatoriamente todas as crianças, tendo em conta que “as<br />

instituições dedicadas à infância devem ser vistas como construção social de uma comunidade<br />

de agentes humanos, originada da nossa interação ativa com outras pessoas e com a sociedade”<br />

(Dahlberg, Moss e Pence, 19 2003:87, citado em Sarmento, 2009:56).<br />

Sendo a participação um direito, questiona-se os limites do lugar da criança como sujeito que é<br />

objeto de expetativas e imposições do que se alimenta a imagem de cidadãs em “ estado de<br />

latência social”; imagem que se conforma com o papel que Perrenound (1995) designou como<br />

“ofício do aluno”.<br />

A ocupação do tempo das crianças pelos adultos, justificada por exigências inerentes ao<br />

desempenho do ofício de aluno, tornou-se mais visível com o aumento do número de horas de<br />

permanência na escola, além do tempo letivo. O tempo liberto das tarefas escolares, passou a<br />

ser ocupado por atividades organizadas segundo o modelo escolar cujo conteúdo é mais<br />

conformado aos interesses didático-pedagógicos dos adultos, do que pelos interesses lúdicos e<br />

de convivência familiar das crianças. Estas veem recair sobre si um conjunto de expectativas e<br />

responsabilidades de desempenho que as sujeitam a uma constante tutela, fiscalização e<br />

avaliação pelos adultos.<br />

Considerar o tempo das crianças como questão social implica, por isso, que se admita a urgência<br />

de mudanças na organização política da escola, na dinâmica interativa, na relação entre<br />

professor e aluno, nos processos de comunicação cultural, que à luz dos direitos da criança não<br />

deveriam ser feitas sem que a sua voz fosse escutada por se tratar de um assunto do seu<br />

interesse, conviria reconhecer a dimensão pública e democrática da escola.<br />

Importa considerar ainda, nesta discussão, os tempos dedicados à realização dos deveres em<br />

casa, sob a orientação das famílias; Além de manter a criança submetida às condições e<br />

obrigações inerentes ao ofício de aluno fora da escola, os “deveres de casa” implicam a<br />

atribuição de uma nova função dos pais: ajudar nos deveres escolares, como alerta Araújo<br />

(2006). Assim, à jornada de trabalho escolar, diária e semanal que ocorre durante os nove anos<br />

de ensino obrigatório, soma-se ainda a jornada prolongada à esfera doméstica e às instituições<br />

que ocupam as crianças no horário extraescolar. Ao não considerar nas decisões curriculares e<br />

na organização do trabalho pedagógico a diversidade dos contextos e circunstâncias familiares,<br />

socioculturais e económicas, com os seus efeitos sobre as expectativas relativas ao futuro, ao<br />

ofício de aluno e a (inter)ação social das crianças, os” trabalhos de casa” contribuem para o<br />

reforço e legitimação social da desigualdade das oportunidades de aprendizagem e do esforço<br />

entre crianças da mesma turma, convertendo-se em fator de sucesso ou insucesso escolar.<br />

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