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Desenhar o pátio da escola, por exemplo, com as riquezas das propostas infantis oferece a<br />
esse espaço uma maior identidade e vínculo com o mundo dos afetos. Neles, elas podem ser<br />
protagonistas autónomas, brincam e constroem o seu imaginário; transformam e são transformadas<br />
a partir da experiência da sociabilização e das vivências com os contextos. Os seres humanos<br />
apresentam uma relação com o ambiente em que vivem (Vigotsky, 2007).<br />
Na medida em que os pátios escolares são fruto da partilha entre adultos e crianças, passam<br />
a ser lugares propícios para vivenciar o compromisso e a responsabilidade. O Centro Educativo da<br />
Facha, localizado no Município de Ponte de Lima, construiu o seu pátio escolar com a participação<br />
das crianças. Deste encontro surgiu uma horta, um galinheiro, um lago com rãs e nenúfares,<br />
espaços relvados para brincar e um olhar atento sempre com novidades. As motivações da horta e<br />
dos seus personagens estão nos espaços como a biblioteca, lugar que as crianças visitam com<br />
frequência. Elas afirmam que foram à horta quando eram mais pequenas e que se lembram com<br />
carinho desses momentos. Desta forma, Inês Letícia, Beatriz Sofia, Núria Rodrigues, Diogo Torres<br />
e Cristiano Guerra revelam a influência das personagens rurais nos seus sentimentos e nas suas<br />
narrativas.<br />
“No verão passado, na quinta da Maria havia um galinheiro e lá vivia uma galinha<br />
chamada Beatriz com os seus pintainhos. Certo dia apareceu uma aranha e<br />
disse:<br />
- Galinha Beatriz, vem aí um gato! Protege os teus pintainhos! – Disse a aranha<br />
assustada.<br />
Uma minhoca que dormia no galinheiro ouviu a conversa e perguntou:<br />
- O que aconteceu? O que vem aí?<br />
- Um gato vem aí e pode atacar os meus pintainhos.<br />
- Vamos nos esconder! – Afirmaram a aranha e a minhoca e foram esconder-se<br />
atrás da palha.<br />
- Estou cheio de fome! – Exclamou o gato mas a galinha ficou quietinha no seu<br />
esconderijo.<br />
Ele tentou comer os pintainhos muitas vezes mas não conseguiu porque<br />
estavam escondidos. Numa bela manhã estavam todos fora do galinheiro<br />
quando o gato apareceu. A galinha disse:<br />
- Não nos comas, queremos ser teus amigos.<br />
O gato percebeu que eles queriam ser seus amigos e aceitou essa proposta. A<br />
partir desse dia ele visitava os seus amigos e brincava com eles todos os dias.”<br />
A cidadania começa na infância. Junto a ela inicia-se o encantamento com as paisagens que<br />
formam parte do quotidiano e o mundo íntimo dos afetos. No marco de lugares públicos, amigáveis,<br />
sociáveis, solidários e humanos, forma- se o solo firme do ser humano público e político. A escola<br />
que abraça essa causa é uma aliada para a edificação cooperativa de uma paisagem sentida, uma<br />
promotora de lugares que as crianças desejam e merecem para viverem as suas infâncias.<br />
“Os sons da natureza fazem-me companhia.” (Rafael Oliveira, 9 anos). “Nela sinto-me<br />
descontraído… ao ar livre, sinto-me à beira da natureza.” (Afonso e Tiago, 9 anos). “Os passarinhos<br />
cantam muito bem, são bonitos, suaves… gosto muito de cheirar as flores." (Bárbara, Margarida,<br />
Marco e Ana Beatriz, 9 anos). "Eu gosto de brincar no campo com muitas árvores porque estou<br />
ligado à natureza." (Santiago Rodrigues, 9 anos). Estas frases revelam o quanto as crianças, na sua<br />
essência, compreendem o vínculo do ser humano com a natureza, uma união que o mundo adulto<br />
esquece e, com frequência, precisa de muito tempo para compreender; infelizmente, promovendo<br />
um modelo de vida insustentável de consumo que termina insensibilizando as crianças.<br />
A Conferência das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas reuniu em Paris<br />
representantes e especialistas ambientais, assim como chefes de Estado de todas as partes do<br />
mundo, para decidirem o futuro da Terra como lugar de vida comum a todos. O papel e o lugar da<br />
criança na sociedade de consumo não foram dialogados no marco destas decisões políticas de<br />
mudanças e transformações urgentes. E paradoxalmente são elas as que mais sofrerão os<br />
problemas ambientais. São as crianças de hoje que serão os anciãos de final de século XXI.<br />
Nas escolas elas dispõem de pouco tempo para brincar e crescer junto à natureza. Nas<br />
cidades, a maioria das crianças circulam em carros, longe de espaços em que a natureza está<br />
presente e onde podem viver, brincar com liberdade e sentir-se partes responsáveis dos recursos<br />
naturais. As experiências sensoriais que vivemos nos lugares que habitamos mudam o nosso corpo<br />
e a nossa mente (Montegomery, 2013).<br />
“Sinto-me feliz. Sinto-me parte da natureza” (Rafael Oliveira, 9 anos)<br />
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