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assim como de muitas outras, ecoa nos nossos ouvidos: “na escola!”. E não é diferente, quando<br />

perguntamos às crianças do Centro. Mas elas fazem ressalvas, complementam, desmentem e<br />

reformulam suas respostas. O lugar da criança é onde ela possa brincar e ter amigos, seja na<br />

escola, no projeto, no parque, na rua ou em casa.<br />

O espaço da liberdade ativa pode ser tanto aquele que se domina, que se tem intimidade, que<br />

se conhece, como o espaço estranho, desconhecido e que, por isso, pode se tornar um terreno<br />

de possibilidades. A liberdade ativa em um espaço estranho pode ocorrer tanto pela percepção<br />

da criança da ausência de um suposto olhar controlador do adulto conhecido, como por ainda<br />

não se ter criado, para aquele espaço, uma relação de não-pertencimento, por não entender ou<br />

por não aceitar tal relação. No espaço conhecido, de domínio, a intimidade com o lugar (espaço,<br />

pessoas e ações) é que pode definir esse comportamento autônomo.<br />

Se consideramos que a apropriação espacial está na criação de um espaço novo, na<br />

ressignificação dos espaços existentes de acordo com uso que se faz e na identificação que se<br />

estabelece, percebemos que a ação da criança sobre o espaço, principalmente quando falamos<br />

dos espaços públicos e seus componentes, como os mobiliários e outros elementos que o<br />

compõem, como a calçada, o paralelepípedo, o banco, o poste, etc., quase sempre passa pela<br />

ressignificação, visto que os usos definidos pelo concebido para esses elementos, nem sempre<br />

fazem sentido ou satisfazem as necessidades das crianças em suas ações, sobretudo na<br />

liberdade ativa, onde a imaginação se emancipa. Trata-se de uma apropriação física e social do<br />

espaço. Uma apropriação que possui um valor cultural de produção e expressão infantil, onde a<br />

criança atribui valores aos objetos a partir de um repertório que lhe é próprio (embora absorvido<br />

em parte da cultura adulta) e com a possibilidade, enquanto devir, de compartilhar essa<br />

experiência com seus pares e com aqueles que estão ao seu redor. Por isso, essa apropriação<br />

especial infantil deve ser compreendida e reconhecida em seu valor social e a criança<br />

reconhecida como co-produtora do espaço.<br />

A experiência proporcionada pela liberdade ativa dá suporte para a apropriação dos espaços<br />

(ação desejante) como é resultado dessa apropriação em todos os estados de liberdade, uma<br />

vez que a apropriação passa positivamente pelo desejo e pela ação. Ela é a confiança que a<br />

criança tem em si e em suas ações, é onde encontra os limites colocados por ela mesma, seja<br />

em relação a sua força física, seja em relação ao seu medo, seja em relação a sua vontade,<br />

ação ou inoperosidade 25 .<br />

As decisões em grupo, sobre qual a brincadeira, quanto tempo, qual o percurso a se fazer,<br />

implicam negociação entre os pares e com todos aqueles envolvidos na ação. É um tipo de<br />

prática onde há o exercício de sua autonomia. Nesta liberdade, encontramos a potência da<br />

infância, do ser criança, do se permitir. Onde a criança pode colocar em prática a sua natureza<br />

espontânea, livre, desprendida da moral do mundo adulto e dos “bons costumes” ensinados por<br />

estes.<br />

Encontramos também neste estado algo que é inerente ao ser criança e ao seu desenvolvimento:<br />

a transgressão. A transgressão poder ser entendida como um gatilho da liberdade ativa, e o<br />

espaço público, neste sentido, torna-se palco representativo dessa ação, pois é neste espaço<br />

que mais frequentemente a criança encontra-se longe da supervisão direta do adulto<br />

responsável.<br />

Liberdade Condicionada<br />

Já no estado de liberdade condicionada consideramos que todo o movimento, isto é, toda ação<br />

da criança está condicionada a forças externas à ela. O desejo em questão é o da própria criança,<br />

mas sua concretização dependerá de um conjunto de outros elementos que se associam,<br />

resultando na condição. Assim, no estado de liberdade condicionada encontramos o cenário<br />

mais complexo entre os demais estados, em que a relação com o outro – responsável e em uma<br />

situação hierárquica superior – se estabelece de maneira decisiva, embora ainda exista<br />

possibilidade de negociação. Num primeiro momento, podemos pensar se tratar apenas de uma<br />

ação infantil condicionada à permissão ou não do responsável, o que não deixa de ser verdade<br />

e ser essa a principal condição quando tratamos de crianças – as permissões do adulto definem<br />

o nível de independência da criança em suas ações. No entanto, essa decisão, por parte do<br />

25 Tomo aqui o conceito de inoperosidade trabalhado por Giorgio Agamben (2014), onde ressalta a<br />

potência do não agir, da ausência de movimento. E para a criança que vive sob constantes regras e<br />

controles heterônomos, dizer "não", no sentido de que não fará o que é mandada ou não parará de fazer<br />

o que está fazendo por uma ordem externa pode representar o reconhecimento de uma força autônoma<br />

e de liberdade substanciais.<br />

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