livro_atas
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A distância física/geográfica entre o centro e os bairros sociais foi encurtando graças ao crescimento<br />
do tecido urbano. Estradas foram rasgadas, edifícios e equipamentos foram sendo construídos,<br />
galgando o espaço em direção às periferias. Não obstante, este “avanço” não eliminou a dicotomia<br />
centro/periferia e muitos bairros de habitação social ainda hoje se situam em zonas periféricas.<br />
Fenómenos como uma rede de transportes deficitária contribuem para acentuar uma distância que<br />
poderia estar hoje bastante mais reduzida.<br />
O bairro social cria uma espécie de enraizamento que, quando solidifica cuida quem ali vive e<br />
protege do que está à volta. Mas também isola. Da cidade, do concelho, do país, do mundo… É um<br />
mundo dentro de tantos mundos. Um mundo que só a quem ali vive pertence. É o mundo do bairro.<br />
Um mundo que vive dentro de tantos outros mundos. Uma cidade dentro da cidade,<br />
geograficamente muito perto de tudo mas, ao mesmo tempo, tão distante e afastada do resto. O<br />
bairro é o mundo de quem ali vive, mas quem ali vive também molda o mundo que é o bairro, já que<br />
este resulta do somatório das vivências e ações dos que lá habitam ou, em tempos, habitaram. As<br />
gentes e as suas terras fundem-se e moldam-se reciprocamente numa “interacção entre os símbolos<br />
urbanos e a acção dos habitantes não só contribui para construir a identidade dos indivíduos como<br />
favorece a definição de uma identidade da cidade” (Mela, 1999:147).<br />
Existe uma identidade de bairro, segundo Costa, que se entranha espontaneamente em quem ali<br />
vive, caracterizando-se por gentes que “elaboram representações sociais, memórias partilhadas e<br />
referências identitárias a partir das suas próprias experiências de vida quotidiana e do seu quadro<br />
de existência social” (Costa, 2008:47).<br />
Talvez por este motivo, a identidade de bairro que tão fortemente se “agarra” a quem ali habita<br />
provoque, por vezes, sentimentos contraditórios. Por um lado, os habitantes do bairro gostam da<br />
“proteção” que aquele contexto territorial proporciona e têm dificuldade em sair da sua zona de<br />
conforto, pois tal implicaria enfrentar uma realidade, muitas vezes, muito diferente da vivida no<br />
bairro. Por outro, reclamam do bairro e verbalizam o desejo em se afastarem daquela mesma<br />
realidade: “Entram em contradição quando dizem que o bairro é muito mau mas mesmo assim<br />
quando se lhes pergunta se querem sair para viver noutro lugar respondem categoricamente que<br />
não” (Pinto, 2007:171).<br />
A contradição nasce de um sentimento de forte pertença territorial em quem tomou o bairro como<br />
seu, assente nos princípios da entreajuda da vizinhança e comodismo, de quem aspira pouco…<br />
mas, também, das emoções de profunda revolta dos que sentem o bairro como uma prisão, como<br />
a fonte de grande parte dos seus problemas. Dos que sofrem com os estigmas e, muitas vezes, têm<br />
de acarretar com as consequências de ser habitante de um bairro social.<br />
Por vezes, os outros, os que não vivem e não conhecem o bairro têm receio do desconhecido e<br />
afastam-se por não quererem ser associados a um modo de vida para muitos “estranho” pois “quem<br />
aqui mora sabe ser olhado de lado por quem não mora aqui. Ninguém quer vir aqui. E quando<br />
alguém sai daqui leva, quase sempre, o bairro consigo. Nos jeitos – de andar, de falar, de estar”<br />
(Pereira, 2010:6). O exterior rejeita o bairro, nomeadamente o que este representa, mas o inverso<br />
acontece na mesma medida.<br />
A edificação de bairros sociais em zonas periféricas da cidade contribuiu para aumentar os níveis<br />
de exclusão e segregação social. De certo modo, o nível de segregação urbana acontece em função<br />
da distância entre o local de residência e o centro da cidade, sendo o espaço uma das formas mais<br />
evidentes da divisão social (Grafmeyer, 1994:45).<br />
Os bairros em estudo: Cerco do Porto e Lagarteiro<br />
Situado na freguesia de Campanhã, no Vale de Campanhã, o bairro do Lagarteiro encontra-se<br />
edificado na zona mais oriental da cidade do Porto. Esta localização faz do Lagarteiro o bairro mais<br />
periférico da área metropolitana do Porto. Construído em duas fases, a primeira em 1973 e a<br />
segunda em 1977, é composto por 13 blocos e 446 habitações, com tipologias entre T1 e T5. Neste<br />
bairro residem cerca de 1.187 pessoas 5 .<br />
O Lagarteiro é considerado um dos bairros problemáticos da cidade, um rótulo que advém do facto<br />
de se encontrar na periferia e desintegrado da malha urbana, com todas as consequências que<br />
advêm desse posicionamento geográfico (Marques, et al, 2008). As grandes problemáticas que lhe<br />
foram identificadas e associadas passam pela criminalidade e comportamentos desviantes/risco<br />
(tráfico de estupefacientes, furtos, roubos, ofensas à integridade física); negligência e maus-tratos;<br />
desestruturação familiar; desemprego e desocupação; abandono/insucesso escolar e baixas<br />
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Fonte: DomusSocial EM2016.<br />
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