livro_atas
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eclamam a titularidade das narrativas, colocando-se a si mesmas no centro e ocupando a maior<br />
parte do plano. Deste modo, assumem-se como figuras principais desse mundo observado,<br />
reclamando o domínio de um lugar repleto de eventos fora do seu controlo.<br />
Uma vez que encontramos uma presença significativa de figuras humanas, foi possível<br />
contemplar um “Mundo Humano”. Se as crianças se retratam a si mesmas como atores centrais<br />
no mundo hospitalar, as suas opções representacionais fundam-se também no reconhecimento<br />
do adulto enquanto membro daquele universo institucional.<br />
No que diz respeito às representações das Crianças, é manifesta a predominância de<br />
representações de crianças deitadas ou a pé. Há assim uma segmentação bipolar de<br />
representações, que oscilam entre os contrários da criança doente, deitada, prostrada, e da<br />
criança saudável, que circula nos espaços de forma aparentemente despreocupada.<br />
É também empregue a parafernália do contexto pediátrico. O suporte do soro parece constituirse<br />
como um elemento importante, surgindo representado ao lado das crianças como um<br />
“companheiro” de internamento. As crianças representadas sentadas estão envolvidas em<br />
atividades lúdicas, refeições ou procedimentos hospitalares, como é o caso do menino a quem<br />
é medida a tensão arterial.<br />
Uma análise atenta aos diversos desenhos permite perceber inúmeras dinâmicas de interação<br />
com o meio e com os demais atores nos espaços representados. Por último, numa constatação<br />
que é possivelmente a mais pertinente, é fundamental sublinhar que as personagens mais<br />
representadas pelas crianças são as próprias crianças.<br />
Mas são também representados muitos adultos, em particular os Adultos informais. Nesta<br />
categoria foram inseridos todos os adultos que não integram o contexto hospitalar mas que estão<br />
junto às crianças. O adulto informal mais retratado é a mãe. A mãe que repousa sentada no<br />
cadeirão, que permanece a pé junto à cama, ou que sobe a longa escadaria para voltar a marcar<br />
presença junto da criança, a reiteração representacional da mãe resulta do facto de que são as<br />
mães quem ficam junto das crianças na maior parte das situações de internamento e a figura a<br />
quem as crianças hospitalizadas mais associam conforto (Ångström-Brännström et al., 2008).<br />
As representações do Corpo retratam uma coexistência com objetos invasivos. Corpo e agulhas<br />
fundem-se em muitos desenhos, exprimindo um aspeto transversal da subjetividade. É<br />
reiteradamente empregue a forma pictórica da criança com um fino tubo pendurado do braço.<br />
Diversos estudos mostram uma preponderância deste tipo de representações como ligadas à<br />
experiência de internamento (Lloyd et al., 2008). A sua repetição provém do facto de que “da<br />
perspetiva das crianças, os estímulos aversivos são intermitentes, imprevisíveis e incontroláveis”<br />
(Slifer et al., 2002). Outras situações há em que mesmo inviolado, o corpo surge ligado a outros<br />
dispositivos. Esta junção de orgânico e cibernético permite considerar uma representação dual:<br />
do espaço pediátrico povoado de máquinas acopláveis ao corpo, e do corpo suscetível de<br />
observação e tratamento pela tecnologia.<br />
Já no campo do “Mundo Simbólico”, destaco o modo como os símbolos empregues atribuem<br />
significados que de outro modo não seria percetíveis. Sendo esta uma manifestação cultural, é<br />
interessante observar como há opções transversais a praticamente todos os desenhos. É o caso<br />
das cruzes vermelhas, reiteradamente utilizadas. A colocação deste símbolo num edifício altera<br />
de modo eficaz a natureza do mesmo e das relações nele estabelecidas. É igualmente utilizada<br />
nas ambulâncias e nas paredes de enfermarias.<br />
Destacam-se símbolos empregues na organização do tráfego, nomeadamente na envolvência<br />
do hospital, e outros, como setas de direção e sinais de proibição, que regulamentam o<br />
movimento de pessoas e veículos ao redor e através do edifício mediante os seus acessos e<br />
percursos rodoviários.<br />
Em jeito de conclusões, permitam-me sumariar as que foram possibilitadas pela investigação<br />
realizada.<br />
Considerando que o hospital é um elemento integrante da paisagem urbana, e que no seu interior<br />
se estabelecem relações que vão para além da mera prestação de cuidados de saúde, os<br />
contextos pediátricos, pela natureza da população que servem, possuem particularidades dignas<br />
de nota. Estas particularidades foram enunciadas de modo competente pelas crianças que<br />
participaram na investigação.<br />
Nas enfermarias reservadas a crianças e adultos não há muitas diferenças. Divergem alguns<br />
acrescentos cosméticos cuja natureza infantilizada mostra assimetrias enraizadas no discurso<br />
adulto que resultam na perpetuação de um certo sentimento da infância. É o caso de pinturas<br />
nas paredes que mostram personagens da indústria da animação.<br />
O facto de a infância ser uma categoria social de pleno direito, obriga-nos à auscultação das<br />
crianças e ao seu genuíno envolvimento na construção, avaliação e redefinição das políticas<br />
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