livro_atas
livro_atas
livro_atas
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
necessidades, interesses e desejos de realização e de (inter)ação com os adultos e com os seus<br />
pares.<br />
Tínhamos também como objetivo conhecer as atividades conforme a forma de organização<br />
(modelo escolar ou não escolar), analisar o peso relativo de cada uma para identificar e discutir<br />
com elas quais destas tinham sido escolhidas por elas ou pelos adultos implicados nas aulas,<br />
nas atividades de enriquecimento curricular (música, inglês, ginástica), na realização dos TPC,<br />
de estudo acompanhado, entre outras.<br />
Importou-nos compreender a forma como os adultos – profissionais e pais as apoiavam na<br />
realização dos Trabalhos Para Casa (TPC) no horário pré e pós-escolar.<br />
A entrada no terreno deu-se através do contacto com os adultos simpatizantes da ideia de<br />
uma escola “sem muros”. Adultos de quem dependia em grande parte a disponibilização de<br />
tempo das crianças, sem o qual as crianças não poderiam participar na investigação.<br />
Identificámos as crianças que permaneciam na escola, tentando que houvesse a<br />
heterogeneidade nas vivências das AEC’s e sobretudo condições de aceitação do convite, com<br />
a permissão dos pais. Tratou-se portanto de “critérios adulto-investigadora-centrados” com o que<br />
pretendiam assegurar alguma diversidade social, cultural, emocional, assumindo o “princípio da<br />
responsabilidade” (Fernandes, 2009:136).<br />
Depois de tratados os aspetos formais de autorização, a garantia mínima de condições de<br />
participação, fizemos o convite às crianças e celebrámos com elas um contrato de participação,<br />
com base na informação sobre os objetivos, sobre as condições e a duração do projeto.<br />
O grupo, designado pelas crianças como “Grupo dos Amiguinhos Investigadores”, foi constituído<br />
por onze crianças, com idades compreendidas entre os 8 e 9 anos de idade, que frequentavam<br />
a mesma turma. Para criar um clima social favorável na interação entre crianças e na<br />
comunicação com o adulto investigadora, começámos por uma atividade lúdica sobre as<br />
emoções; o jogo “Conhece-me melhor”, que consistia num cubo em cujas faces estava escrito:<br />
o que me deixa Contente; Zangado; Envergonhado e Triste; as crianças escreveram<br />
individualmente as suas respostas. Para aprofundar esta primeira apresentação de si e iniciar o<br />
diálogo sobre direitos, agrupámos as respostas segundo categorias temáticas:<br />
Respeito/Proteção; Autonomia; Pertença; Conquista. Reconhecendo que os direitos de guarda,<br />
proteção e educação nem sempre são totalmente assegurados, tentámos escutar com cuidado<br />
as suas respostas para poder conhecer e corresponder melhor às suas expectativas, interesses<br />
e competências.<br />
O espaço de participação, criado pelo jogo, facilitou uma primeira abordagem e sobretudo a<br />
escuta mútua das experiências das crianças em relação aos pais, dando-nos conta da<br />
importância da família na sua vida quotidiana, bem como do medo que sentem em perder os<br />
pais. Tivemos também alguns indícios da existência de pais com estilo parental autoritário, pela<br />
valorização dada à obediência da criança e à submissão da vontade do adulto, pela referência<br />
de punições e momentos de conflito. Sendo este um tema social controverso, não o<br />
aprofundámos na nossa investigação, mas inferimos que o comportamento dos pais tende a não<br />
tratar as suas crianças como cidadãs, com direitos e competência suficientes para participar nas<br />
tomadas de decisão que afetam as suas vidas.<br />
No segundo encontro, consideramos que tínhamos condições para começar a situar cada um no<br />
novo papel social que começava a ganhar forma, num contexto social novo, baseado na<br />
experiência de redescoberta e apropriação temporária do sótão da escola, como lugar de um<br />
outro trabalho: o de investigador, para o qual “ganharam” tempo à rotina entre casa-escola.<br />
“Vamos investigar” foi o segundo dispositivo mediador da conversa do grupo. Neste, cada criança<br />
deveria fazer o seu auto-retrato como investigador; esta apresentação ficcionada de si mesmo<br />
abriu a conversa sobre o que afinal seria investigar, o que os identificava como investigador.<br />
Na conversa descobrimos que, para a maioria, investigar era “descobrir coisas novas” e<br />
implicava mistério:<br />
“o investigador tem que ter um disfarce…para ninguém o descobrir… Também trabalham de<br />
noite… e têm um cão”. 1<br />
As personagens dos desenhos animados e os jogos (principalmente electrónicos) foram a<br />
inspiração para a maioria das crianças, mostrando a influência da televisão/Internet mas,<br />
também a sua capacidade de fazer uma leitura própria do mundo que lhes é dado a conhecer<br />
pelos adultos; o papel dos personagens que foram incorporados nas suas novas identidades de<br />
investigadores foram reinterpretados por elas, denotando a sua capacidade de produzir saberes<br />
que podem contribuir para a imaginação da sua outra condição ou papel social: a de cidadãs que<br />
se pretendem ativas na vida familiar, escolar e social. Tivemos de ladear a ficção e a experiência<br />
que têm do modo como os adultos as tratam e ocupam o seu tempo no dia-a-dia. O uso do seu<br />
229