O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina
O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina
O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
104<br />
5. Uma representação <strong>de</strong> si, a auto-imagem <strong>de</strong> um “lifestyle”, um perfil <strong>de</strong> pessoa, na<br />
figura do “manézinho da ilha” 27 .<br />
Entrevistando um homem velho, nativo da Freguesia do Ribeirão da Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong><br />
<strong>Catarina</strong>, disse-me ele que o manezinho era aquele matuto que ia <strong>de</strong>scalço, do interior da ilha<br />
para a cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> barco ou a pé, ven<strong>de</strong>r seus produtos agrícolas ou do pescado e comprar<br />
coisas no comércio. “Eles iam no comércio, compravam o que tinham <strong>de</strong> comprar.... o<br />
comercio não ia olhar se era matuto ou não; se tava com dinheiro pra comprar, não iam ta<br />
olhando se a pessoa era matuta ou não.”<br />
Se hoje em dia dizer-se “açoriano” é, para um local, remontar às raízes, aos<br />
antepassados, como que certificando seu passado <strong>de</strong> “origem”, dizer-se “mané, manezinho”<br />
tem a ver com o tratamento coloquial (negativo ou positivo) no cotidiano e com a afirmação<br />
orgulhosa do tipo nativo do lugar em face do outros. No primeiro caso há um exemplo em<br />
Rial (2001: 17), quando num jogo <strong>de</strong> futebol no estádio, um popular vendo que o da sua frente<br />
não sentava após insistentes pedidos, arrematou: “Mas é um manezinho mesmo! Nunca veio a<br />
um estádio antes!” 28 . No segundo caso cito nota <strong>de</strong> meu diário <strong>de</strong> campo:<br />
Fui ver ontem a banda do Zé Pereira no entrudo <strong>de</strong> carnaval do Ribeirão da Ilha. Eles fazem<br />
sempre um domingo antes do carnaval. A banda acompanhava em cima <strong>de</strong> um caminhão o<br />
<strong>de</strong>sfile <strong>de</strong> blocos <strong>de</strong> sujos, tomando toda rua central da freguesia. Havia pequenos carros<br />
alegóricos e muitos homens travestidos <strong>de</strong> mulher. Detalhe: o caos na freguesia foi total<br />
porque misturaram gente, carros, ônibus e caminhões, criando problemas sérios <strong>de</strong> fluxo <strong>de</strong><br />
transito e <strong>de</strong>ixando os passantes turistas irritados. O político o local bem que tentou falar com<br />
os policiais, tudo em vão. Em meio ao buzinaço, ouvi alguém gritar <strong>de</strong> cima do caminhão: -<br />
Não liguem não! Deixa eles buzinarem porque nós somos manezinhos ! (diário <strong>de</strong> campo,<br />
07.02.02, p. 24).<br />
26 No próximo capítulo <strong>de</strong>screveremos em <strong>de</strong>talhe os ciclos anuais das festas, folguedos e procissões associadas<br />
à antiga ecologia rural das populações litorâneas <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> e à sua abordagem atual enquanto eventos<br />
comunicativos.<br />
27 Segundo o Vocabulário da Língua Brasileira <strong>de</strong> Beaurepaire Rohan (1889, apud Cascudo, [s/d 1954]: 545),<br />
mané é apócope <strong>de</strong> manêma, do tupi-guarani: mofino, frouxo, pusilânime. Cascudo informa ser mané, “um<br />
antigo personagem do Bumba-meu-boi. Homem tolo, imbecil, palerma, aparvalhado e sem vonta<strong>de</strong>. Diz ainda<br />
Cascudo que mané é apócope natural do português Manoel, dito popularmente Mané, mané-tolo, manezinho etc.<br />
28 Noto que expressões como estas são típicas da sociabilida<strong>de</strong> jocosa do ilhéu, forma <strong>de</strong> interação que será<br />
estudada no 4 o capítulo.