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O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

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5. Uma representação <strong>de</strong> si, a auto-imagem <strong>de</strong> um “lifestyle”, um perfil <strong>de</strong> pessoa, na<br />

figura do “manézinho da ilha” 27 .<br />

Entrevistando um homem velho, nativo da Freguesia do Ribeirão da Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong><br />

<strong>Catarina</strong>, disse-me ele que o manezinho era aquele matuto que ia <strong>de</strong>scalço, do interior da ilha<br />

para a cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> barco ou a pé, ven<strong>de</strong>r seus produtos agrícolas ou do pescado e comprar<br />

coisas no comércio. “Eles iam no comércio, compravam o que tinham <strong>de</strong> comprar.... o<br />

comercio não ia olhar se era matuto ou não; se tava com dinheiro pra comprar, não iam ta<br />

olhando se a pessoa era matuta ou não.”<br />

Se hoje em dia dizer-se “açoriano” é, para um local, remontar às raízes, aos<br />

antepassados, como que certificando seu passado <strong>de</strong> “origem”, dizer-se “mané, manezinho”<br />

tem a ver com o tratamento coloquial (negativo ou positivo) no cotidiano e com a afirmação<br />

orgulhosa do tipo nativo do lugar em face do outros. No primeiro caso há um exemplo em<br />

Rial (2001: 17), quando num jogo <strong>de</strong> futebol no estádio, um popular vendo que o da sua frente<br />

não sentava após insistentes pedidos, arrematou: “Mas é um manezinho mesmo! Nunca veio a<br />

um estádio antes!” 28 . No segundo caso cito nota <strong>de</strong> meu diário <strong>de</strong> campo:<br />

Fui ver ontem a banda do Zé Pereira no entrudo <strong>de</strong> carnaval do Ribeirão da Ilha. Eles fazem<br />

sempre um domingo antes do carnaval. A banda acompanhava em cima <strong>de</strong> um caminhão o<br />

<strong>de</strong>sfile <strong>de</strong> blocos <strong>de</strong> sujos, tomando toda rua central da freguesia. Havia pequenos carros<br />

alegóricos e muitos homens travestidos <strong>de</strong> mulher. Detalhe: o caos na freguesia foi total<br />

porque misturaram gente, carros, ônibus e caminhões, criando problemas sérios <strong>de</strong> fluxo <strong>de</strong><br />

transito e <strong>de</strong>ixando os passantes turistas irritados. O político o local bem que tentou falar com<br />

os policiais, tudo em vão. Em meio ao buzinaço, ouvi alguém gritar <strong>de</strong> cima do caminhão: -<br />

Não liguem não! Deixa eles buzinarem porque nós somos manezinhos ! (diário <strong>de</strong> campo,<br />

07.02.02, p. 24).<br />

26 No próximo capítulo <strong>de</strong>screveremos em <strong>de</strong>talhe os ciclos anuais das festas, folguedos e procissões associadas<br />

à antiga ecologia rural das populações litorâneas <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> e à sua abordagem atual enquanto eventos<br />

comunicativos.<br />

27 Segundo o Vocabulário da Língua Brasileira <strong>de</strong> Beaurepaire Rohan (1889, apud Cascudo, [s/d 1954]: 545),<br />

mané é apócope <strong>de</strong> manêma, do tupi-guarani: mofino, frouxo, pusilânime. Cascudo informa ser mané, “um<br />

antigo personagem do Bumba-meu-boi. Homem tolo, imbecil, palerma, aparvalhado e sem vonta<strong>de</strong>. Diz ainda<br />

Cascudo que mané é apócope natural do português Manoel, dito popularmente Mané, mané-tolo, manezinho etc.<br />

28 Noto que expressões como estas são típicas da sociabilida<strong>de</strong> jocosa do ilhéu, forma <strong>de</strong> interação que será<br />

estudada no 4 o capítulo.

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