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O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

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entram <strong>de</strong> novo, até o vigia também. Por isso que eu disse que leva sete: Ele leva seis<br />

quinhões <strong>de</strong> cada canoa e mais um <strong>de</strong>le pela vigia.<br />

211<br />

Além dos quinhões dos camaradas, outros quinhões são separados para os ajudantes <strong>de</strong><br />

ocasião, normalmente crianças e adolescentes, ou mesmo turistas e também para as viúvas da<br />

comunida<strong>de</strong>:<br />

Jair – Depois tem outro quinhão ainda. Tem os ajudantes, né? Não é camarada, é ajudante.<br />

Tão ali na praia e ajudaram a puxar a re<strong>de</strong>. Às vezes, até eles fizeram mais força do que o<br />

próprio camarada, que nem molhou a roupa (risos). É que ele se aproveita. Por ele ser<br />

camarada, vai receber <strong>de</strong> qualquer jeito. Então, às vezes, ele nem faz tanto esforço do que<br />

aquele que tá ali pra ajudar, pra fazer força, se molhou, se sujou, tudo. Então aquele ganha<br />

uma tainha. Po<strong>de</strong> ser qualquer pessoa. E tem as tainhas das viúvas, né? As viúvas são aquelas<br />

senhoras que já tiveram os maridos que eram pescadores e hoje elas têm direito, no lugar dos<br />

maridos que já não tão mais na lista, a ganhar uma tainha como viúva.<br />

Quando perguntei ao meu informante se o patrão da canoa era também um camarada,<br />

ele respon<strong>de</strong>u que o patrão será um camarada se trabalhar pesado como os outros, passando a<br />

ter direitos adicionais sobre o pescado, além da sua cota:<br />

Jair – O patrão po<strong>de</strong> ser um camarada, mas aí ele tem direito a várias regalias. Por exemplo,<br />

os caras que remaram na canoa, eles têm direito a escolher as maiores tainhas do lanço. Então<br />

se ele [o patrão] remou na canoa, que é um trabalho pesado, ele tem direito. Em cada lugar<br />

varia. Se for 500 tainhas, eles vão lá e pegam uma cada um, pegam na hora, além do quinhão<br />

que ele vai ganhar <strong>de</strong>pois, mas ali eles já pegam na hora. As gordas ele já escolhe. Como o<br />

vigia também. Ele vai lá e tira uma bem gran<strong>de</strong>. O vigia vai ganhar <strong>de</strong>pois a sua parte, mas na<br />

hora que puxou a canoa, ele tem direito <strong>de</strong> chegar ali, olhar aquela maior e... Essa aí nem<br />

entra na contagem e ninguém po<strong>de</strong> chiar. Ninguém nem chia. É por isso que nós chamamos<br />

<strong>de</strong> tainha da remagem, tainha da vista, tainha do cabo. Todos eles têm direito. Quanto mais<br />

matar, mais eles tiram ali.<br />

Observo que o cálculo em torno dos direitos e <strong>de</strong>veres aponta para uma retórica ou<br />

i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> – no sentido <strong>de</strong> todos serem, a princípio, camaradas ou iguais. Essa<br />

disposição para a igualda<strong>de</strong> entre os pescadores parece viabilizar, eticamente toda a<br />

organização hierárquica das camaradagens, hierarquia necessariamente requerida em face <strong>de</strong><br />

uma jornada que, para ter sucesso, vai exigir coor<strong>de</strong>nação, proteção mútua e estabilida<strong>de</strong> da

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