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O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

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semana anterior, <strong>de</strong>u na televisão que entre o Campeche e a Joaquina (praias da costa leste da<br />

ilha), haviam capturado quatro toneladas. Ele disse que <strong>de</strong>viam ter “invadido o limite<br />

[geográfico] do seu Chico”. Pedi explicações. Soube então que há uma portaria regulando em<br />

800 metros o limite <strong>de</strong>dicado aos pescadores artesanais naquela praia. Ali, no Pântano do Sul,<br />

eles tinham 500 metros só para eles e costumam colocar ban<strong>de</strong>iras nas pontas da ferradura da<br />

praia para indicar a proibição <strong>de</strong> ultrapassagem. Quando há invasão, dá “pau”. Enchem um<br />

barco <strong>de</strong> gente para expulsar o barco invasor. É assim na ilha. Cada praia tem sua zona limite,<br />

a dizer, sua divisão territorial. No Campeche, disse o meu informante, “eles brigaram e há<br />

duas socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> camaradas”, cada qual pescando em um lado da praia.<br />

Pensei na força <strong>de</strong>sses antagonismos e nas rivalida<strong>de</strong>s em geral. Estas rivalida<strong>de</strong>s<br />

parecem cruciais na constituição da sociabilida<strong>de</strong> ilhôa. De resto, a rivalida<strong>de</strong> aqui não é<br />

sinônimo <strong>de</strong> competição, mas condição agonística da diferença, da amiza<strong>de</strong> e da aliança. E<br />

assim, entre mentiras, gozações e o vai-vem <strong>de</strong> gente, foi toda a tar<strong>de</strong>, com os olhos voltados<br />

para as imprevisíveis mantas <strong>de</strong> tainha.<br />

A seqüência da entrevista mostra o que é a “socieda<strong>de</strong> dos camaradas” do Pântano do<br />

Sul, a divisão <strong>de</strong> trabalho, os métodos <strong>de</strong> distribuição e os princípios e atitu<strong>de</strong>s que<br />

conformam o ethos da camaradagem nesse meio pesqueiro.<br />

E – O que é a socieda<strong>de</strong> dos camaradas?<br />

Jair – A comunida<strong>de</strong> se une e faz seus arrastões e divi<strong>de</strong> a tainha pra todo mundo. Nós<br />

chamamos <strong>de</strong> camaradagem. São os camaradas da pesca da tainha. Existe o dono da canoa e<br />

existem os camaradas. Se existe dois donos, vai haver duas camaradagens. Se existe três<br />

donos, três re<strong>de</strong>s, existem três camaradagens. O dono é dono do barco e da re<strong>de</strong>. Aí forma,<br />

como aqui no Pântano do Sul, forma uma socieda<strong>de</strong>. Nós chamamos a socieda<strong>de</strong>. Cada um<br />

tem a sua canoa, mas se aquela canoa pescar, se for ela que cercou o cardume <strong>de</strong> tainha,<br />

aquele peixe vai ser repartido pra todo mundo. Se for aquela outra, aquele peixe também vai<br />

ser repartido pra todo mundo. Cê enten<strong>de</strong>? Aqui no Pântano do Sul, trabalhamos com a<br />

socieda<strong>de</strong>, todos eles são a mesma coisa. Aqui no Pântano do Sul, são sete canoas. Nós temos<br />

sete donos <strong>de</strong> canoas. São sete camaradagens e essas camaradagens formam então uma<br />

socieda<strong>de</strong>.

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