O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina
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Cobrem-se os santos com panos roxos. Tudo emana uma profunda tristeza. Cristo foi<br />
preso e será julgado e crucificado. Não se varre o chão, não se corta carne, nem as<br />
plantas; não se cava o chão com instrumento <strong>de</strong> ferro porque po<strong>de</strong> brotar sangue;<br />
guarda-se todas as ferramentas; os cabelos não serão penteados(...). A Sexta Feira<br />
<strong>Santa</strong> é extremamente milagrosa, dia <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> jejum. Realizam o chamado “banho<br />
santo” no mar ou água <strong>de</strong> cachoeira antes do sol nascer; também a colheita <strong>de</strong> ervas<br />
medicinais, a água benta do orvalho, tudo é sagrado, po<strong>de</strong>ndo ser utilizado como<br />
remédios, simpatias e benzeduras para a cura <strong>de</strong> doenças e proteção contra mal<br />
olhado, embruxamento e encostos maléficos (COELHO, 1999).<br />
Nesta época - em paralelo a todas as <strong>de</strong>mandas da Igreja Católica por silêncio, oração e<br />
penitência - ocorre em gran<strong>de</strong> alarido, as correrias e brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> boi - conhecidas como<br />
Farra do Boi. Elas se dão intensivamente na Semana <strong>Santa</strong>, mas têm ocorrido por toda a<br />
Quaresma e encontram-se hoje no embate <strong>de</strong> proibições judiciais, campanhas dos <strong>de</strong>fensores<br />
dos animais, repressão policial e protestos dos farristas 14 . Na Páscoa <strong>de</strong> 2001, houve uma<br />
manifestação pública <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res farristas em frente ao Palácio do Governo em Florianópolis. Os<br />
discursos dão conta <strong>de</strong> ser a “farra do boi” um po<strong>de</strong>roso diacrítico da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nativa,<br />
marcadora <strong>de</strong> ancestralida<strong>de</strong> açoriana, da tradição do “manezinho” e das disputas com os <strong>de</strong><br />
“fora”:<br />
O turista e o estrangeiro seja bem vindo em nossa terra! Mas que respeite a nossa cultura!<br />
Respeite a nossa tradição! Não dá mais pra agüentar o turista e o estrangeiro que chega aqui,<br />
além <strong>de</strong> comer o nosso sirizinho, o nosso pirão, namorar as nossas raparigas, ainda querem<br />
acabar com a nossa farra do boi, com a nossa brinca<strong>de</strong>ira! Eles que vão pro Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
acabar com os assassinatos, com o tráfico <strong>de</strong> drogas, com a pobreza nas favelas, não aqui a<br />
nossa brinca<strong>de</strong>ira sadia, porque nós manezinhos somos dóceis, nós manezinhos temos bom<br />
coração, ta certo!<br />
Porque que o pessoal cai em cima do manézinho? Primeiro, o manézinho tem bom coração o<br />
gente! O nosso negócio é fazer tarrafa, criar tia chica, coleirinha, ninguém faz mal pra<br />
ninguém! Ninguém faz mal pra ninguém! Ninguém usa arma! Arma é lá, lá no Rio <strong>de</strong> Janeiro!<br />
Aqui não! O nosso negócio é fazer tarrafa, tia chica, colerinha! E a brinca<strong>de</strong>ira do boi e o boi<br />
<strong>de</strong> mamão! Essa é a nossa arma! Agora é o seguinte: sabe quem é que patrocina a farra do boi!<br />
Somos nós mesmos aqui ó: o Zezinho do peixe, a barbearia do Tonhão, a borracharia do<br />
14 A farra do boi foi consi<strong>de</strong>rada “procedimento discrepante com a norma constitucional”, Art. 225, tendo sido<br />
proibida pelo Supremo Tribunal <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> em 1997. Processo disponível em:<br />
http://dorado.stf.gov.br/teor/it.asp?classe=RE&processo=153531