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O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

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146<br />

Cobrem-se os santos com panos roxos. Tudo emana uma profunda tristeza. Cristo foi<br />

preso e será julgado e crucificado. Não se varre o chão, não se corta carne, nem as<br />

plantas; não se cava o chão com instrumento <strong>de</strong> ferro porque po<strong>de</strong> brotar sangue;<br />

guarda-se todas as ferramentas; os cabelos não serão penteados(...). A Sexta Feira<br />

<strong>Santa</strong> é extremamente milagrosa, dia <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> jejum. Realizam o chamado “banho<br />

santo” no mar ou água <strong>de</strong> cachoeira antes do sol nascer; também a colheita <strong>de</strong> ervas<br />

medicinais, a água benta do orvalho, tudo é sagrado, po<strong>de</strong>ndo ser utilizado como<br />

remédios, simpatias e benzeduras para a cura <strong>de</strong> doenças e proteção contra mal<br />

olhado, embruxamento e encostos maléficos (COELHO, 1999).<br />

Nesta época - em paralelo a todas as <strong>de</strong>mandas da Igreja Católica por silêncio, oração e<br />

penitência - ocorre em gran<strong>de</strong> alarido, as correrias e brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> boi - conhecidas como<br />

Farra do Boi. Elas se dão intensivamente na Semana <strong>Santa</strong>, mas têm ocorrido por toda a<br />

Quaresma e encontram-se hoje no embate <strong>de</strong> proibições judiciais, campanhas dos <strong>de</strong>fensores<br />

dos animais, repressão policial e protestos dos farristas 14 . Na Páscoa <strong>de</strong> 2001, houve uma<br />

manifestação pública <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res farristas em frente ao Palácio do Governo em Florianópolis. Os<br />

discursos dão conta <strong>de</strong> ser a “farra do boi” um po<strong>de</strong>roso diacrítico da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nativa,<br />

marcadora <strong>de</strong> ancestralida<strong>de</strong> açoriana, da tradição do “manezinho” e das disputas com os <strong>de</strong><br />

“fora”:<br />

O turista e o estrangeiro seja bem vindo em nossa terra! Mas que respeite a nossa cultura!<br />

Respeite a nossa tradição! Não dá mais pra agüentar o turista e o estrangeiro que chega aqui,<br />

além <strong>de</strong> comer o nosso sirizinho, o nosso pirão, namorar as nossas raparigas, ainda querem<br />

acabar com a nossa farra do boi, com a nossa brinca<strong>de</strong>ira! Eles que vão pro Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

acabar com os assassinatos, com o tráfico <strong>de</strong> drogas, com a pobreza nas favelas, não aqui a<br />

nossa brinca<strong>de</strong>ira sadia, porque nós manezinhos somos dóceis, nós manezinhos temos bom<br />

coração, ta certo!<br />

Porque que o pessoal cai em cima do manézinho? Primeiro, o manézinho tem bom coração o<br />

gente! O nosso negócio é fazer tarrafa, criar tia chica, coleirinha, ninguém faz mal pra<br />

ninguém! Ninguém faz mal pra ninguém! Ninguém usa arma! Arma é lá, lá no Rio <strong>de</strong> Janeiro!<br />

Aqui não! O nosso negócio é fazer tarrafa, tia chica, colerinha! E a brinca<strong>de</strong>ira do boi e o boi<br />

<strong>de</strong> mamão! Essa é a nossa arma! Agora é o seguinte: sabe quem é que patrocina a farra do boi!<br />

Somos nós mesmos aqui ó: o Zezinho do peixe, a barbearia do Tonhão, a borracharia do<br />

14 A farra do boi foi consi<strong>de</strong>rada “procedimento discrepante com a norma constitucional”, Art. 225, tendo sido<br />

proibida pelo Supremo Tribunal <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> em 1997. Processo disponível em:<br />

http://dorado.stf.gov.br/teor/it.asp?classe=RE&processo=153531

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