O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

216
sistema definido e estável de conduta social” (p. 121). Constituía, assim, uma forma especial
de aliança, ao lado do casamento, da troca de bens e serviços e da irmandade de sangue
(p. 129). Como toda aliança ou consórcio só podem existir entre indivíduos que estejam de
algum modo socialmente separados, a aliança pela brincadeira evitaria os conflitos, assim
como o respeito e evitação extremos. Portanto, uma das funções básicas das relações jocosas
seria, para Radcliffe-Brown, evitar o conflito, desde que o outro aceitasse como obrigação o
fato de não se ofender (p. 131). Tratar-se-ia de um comportamento padronizado e formal, em
que a pilhéria, a zombaria e a caçoada estariam inscritas como formas de antagonismos
socialmente controlados e destinados à manutenção da ordem social.
Na realidade, o autor analisou as relações jocosas com o foco voltado para as
sociedades primitivas e no interior do campo de investigações sobre sistemas de parentesco e
aliança. A jocosidade era vista como um “tipo de parentesco”, que ele definia como o
parentesco do “desrespeito lícito” (p. 116). Se o parentesco de evitação, tal como entre um
homem e a mãe de sua esposa, teria a função de conservar as partes unidas em uma estrutura
social que separa seus interesses, gerando possíveis hostilidades, o parentesco por brincadeira
executaria a mesma função, mas de forma diferente (p. 131).
Por fim, Radcliffe-Brown sugere um amplo estudo comparado e a inscrição da
jocosidade em uma teoria mais geral do respeito e da amizade nas relações sociais. O autor
associava-se a Mauss no desenvolvimento de tal projeto (op. cit., p. 143) porque, ao lado do
estudo do “parentesco por brincadeira”, dizia ser fundamental também o estudo da troca de
bens e serviços nas diversas sociedades.
Pois bem, discussões mais recentes sobre a jocosidade têm sugerido o deslocamento
da análise para outro tipo de registro que não aquele de Radcliffe-Brown. Embora
reconhecendo seu valor inaugural, tratar-se-ia de ver a jocosidade não como um tipo de
parentesco, mas como um gênero de interação (outro gênero seria, por exemplo, a narração