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O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

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<strong>de</strong>u agora aí, ó, que foi um monte <strong>de</strong> re<strong>de</strong> embora pro fundo do mar, o pescador não tem<br />

aon<strong>de</strong> buscar o seu socorro. Então ele tem que se sujeitar a essa situação <strong>de</strong> buscar dinheiro<br />

emprestado às pessoas, peixarias, intermediários. São eles que ajudam, que emprestam o<br />

dinheiro. Daí ele fica com aquela dívida com ele, que tem que pagar o resto da vida, ven<strong>de</strong>ndo<br />

seu peixe pra ele.<br />

203<br />

Quer dizer, “promessa é dívida”, tem <strong>de</strong> ser paga. Promessa não cumprida <strong>de</strong>ve ser<br />

cobrada, senão o prometente per<strong>de</strong> crédito. E a promessa ao santo só tem valida<strong>de</strong> plena se o<br />

pedido for atendido, caso contrário po<strong>de</strong>-se coagir o santo. 26 Eu vejo aí não propriamente a<br />

<strong>de</strong>pendência clientelista, mas uma espécie <strong>de</strong> “dialética generativa” 27<br />

entre os “favores”<br />

(apanágio dos políticos) e as “graças” (apanágio dos santos). Esta dialética generativa é algo<br />

que remete para a or<strong>de</strong>m da intencionalida<strong>de</strong> dos atores-trocadores, algo, enfim, que é<br />

constantemente negociado a partir do estoque <strong>de</strong> crédito social e simbólico dos credores<br />

usuais (santos e políticos) e da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagamento (reconhecimento) dos <strong>de</strong>vedores.<br />

Voltaremos a essas questões nas consi<strong>de</strong>rações finais.<br />

4.2.4. - As “socieda<strong>de</strong>s” <strong>de</strong> ajuda mútua<br />

A constituição <strong>de</strong> “socieda<strong>de</strong>s” é um mecanismo que surge quase naturalmente no<br />

meio ilhéu. O caso da farra do boi é um exemplo. Trata-se <strong>de</strong> uma “socieda<strong>de</strong>” temporária<br />

para a compra do animal. Um outro exemplo que pu<strong>de</strong> captar foi a organização <strong>de</strong> uma<br />

espécie <strong>de</strong> seguro comunitário, informal, baseado exclusivamente no compromisso <strong>de</strong><br />

pagamento daqueles que <strong>de</strong>sejam ser enterrados na Freguesia do Ribeirão. É a “Socieda<strong>de</strong> da<br />

Sauda<strong>de</strong>” :<br />

26 Lembro aqui do episódio que presenciei no Pântano do Sul, em 2001. Estava observando a movimentação dos<br />

pescadores na temporada da tainha. Ao final da safra, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muita expectativa, os peixes praticamente não<br />

apareceram naquela praia, mas sim nas praias no norte da Ilha. Um dos velhos mestres pescadores, figura <strong>de</strong><br />

muito prestígio local, olhando para a imagem <strong>de</strong> São Pedro, xingou publicamente o santo, dizendo que não ia<br />

mais soltar foguetes para ele, que agora só teria “brisas” para ele, porque mandou os peixes para outras praias.<br />

Sobre a tradição luso-brasileira da coerção dos santos, veja excelente artigo em Nunes (1999).<br />

27 A expressão é <strong>de</strong> Terence Turner (apud Lanna, 1995, p. 226).

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