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O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

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204<br />

E – Como nasceu a socieda<strong>de</strong> da sauda<strong>de</strong>, seu Aparício?<br />

Aparício - Um amigo meu que morreu na miséria era músico da banda, e a família <strong>de</strong>le não<br />

tinha dinheiro pra enterrar ele. Aí a banda ajudou. E eu disse “quantos iguais a ele vão existir<br />

ainda? Então vamos fundar uma associação? Todo mundo paga um bocadinho pra garantir<br />

uma ajuda pro enterro”. (...) Nós temos estatuto, só que ele não é registrado. Mas funciona, e<br />

o dinheiro tá no meu nome e <strong>de</strong> outro rapaz. Todo mês eu faço isso aqui (mostrando o<br />

balancete da Socieda<strong>de</strong> da Sauda<strong>de</strong>).(...) Se atrasar um mês, tem um real <strong>de</strong> multa. Com seis<br />

meses <strong>de</strong> atraso, a gente manda um aviso. Se não pagar, rua!<br />

Consultando moradores que participam da “socieda<strong>de</strong> da sauda<strong>de</strong>”, percebi que o<br />

interesse <strong>de</strong>les em serem enterrados no lugar <strong>de</strong> nascimento e criação constitui a principal<br />

motivação que sustenta a “socieda<strong>de</strong>” e as informações que colhi das prestações <strong>de</strong> contas da<br />

associação revelam baixíssimos índices <strong>de</strong> inadimplência. Aqui está a questão da produção da<br />

localida<strong>de</strong> enquanto “estrutura <strong>de</strong> sentimento” na elaboração feita por Appadurai (1996,<br />

Cap. 9). A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vizinhança, nos termos <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lealda<strong>de</strong> com o lugar,<br />

tomado como o espaço-tempo sócio-cultural do nativo, não seria apenas dos vivos, mas<br />

também dos mortos. Nem seria apenas dos que ali moram, mas dos que, morando alhures, lá<br />

<strong>de</strong>sejam <strong>de</strong>scansar <strong>de</strong>pois da morte.<br />

Essas “socieda<strong>de</strong>s” representam mecanismos recorrentes <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> e<br />

cooperação e variam conforme os alvos a atingir. Elas po<strong>de</strong>m atingir <strong>de</strong>s<strong>de</strong> mecanismos<br />

ultra-temporários, como os “mutirões” para a construção <strong>de</strong> um rancho <strong>de</strong> pesca ou <strong>de</strong> uma<br />

casa para uma viúva, até associações civis permanentes, como esta do seguro-funeral, ou<br />

religiosas, como as irmanda<strong>de</strong>s. Vejamos outra “socieda<strong>de</strong>”, a dos “camaradas” da pesca da<br />

tainha.<br />

Na praia do Pântano do Sul, entre os meses <strong>de</strong> maio a julho, é tempo da tainha. A<br />

tainha é um peixe bastante gorduroso e saboroso. Inicia sua migração reprodutiva no outono,<br />

saindo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s estuários <strong>de</strong> água doce como a Lagoa dos Patos (Rio Gran<strong>de</strong> do Sul) e<br />

sobe pelas águas costeiras até o Rio <strong>de</strong> Janeiro e São Paulo. Nesse período, os pescadores

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