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O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

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A própria questão da farra do boi, quando <strong>de</strong>u toda essa discussão, que aí nós fomos<br />

<strong>de</strong>scobrir: - Pô, por que é que nós tamos falando sobre a farra do boi né? Porque nós temos<br />

uma origem, temos uma tradição cultural e a farra do boi, ela tá incluída nisso. E aí tudo isso<br />

foi se juntando.<br />

Po<strong>de</strong>mos afirmar que entre os anos 1980 e início dos anos 1990, criam-se as bases <strong>de</strong><br />

transformação das antigas localida<strong>de</strong>s agrícolas e pesqueiras do litoral catarinense em futuros<br />

balneários, submetidos à sazonalida<strong>de</strong> econômica e aos fluxos <strong>de</strong> consumo turístico.<br />

Transformações radicais nos traçados urbanos, crescimento da população, explosão<br />

imobiliária, problemas ambientais e <strong>de</strong> infra-estrutura, são os temas correntes 14 . Creio,<br />

a<strong>de</strong>mais, que o vetor homogeneizante da globalização cultural e a mo<strong>de</strong>rnização urbana do<br />

litoral, acabarão por fortalecer as condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejabilida<strong>de</strong> para uma reação<br />

heterogeneizante, contra o impacto da mo<strong>de</strong>rnização tardia e pela valorização das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s<br />

culturais locais. A açorianida<strong>de</strong>, que era projeto <strong>de</strong> elites intelectuais, estava em vias <strong>de</strong><br />

tornar-se massiva, seja na forma <strong>de</strong> uma territorialização simbólica <strong>de</strong> suas fronteiras, na<br />

criação <strong>de</strong> festas <strong>de</strong> evocação, na busca das raízes <strong>de</strong> além-mar, e no cultivo - algo exótico -<br />

da auto-imagem 15 da figura do “manezinho”. O relato abaixo mostra o alcance da <strong>de</strong>scoberta<br />

i<strong>de</strong>ntitária, sua unida<strong>de</strong>, abrangência e, sobretudo seu potencial <strong>de</strong> afirmação:<br />

Jair - Porque uma coisa que era pejorativa né, hoje todo mundo tem orgulho <strong>de</strong> dizer – eu sou<br />

manezinho. E quando se fala em manezinho da ilha, não é só a pessoa que nasceu em<br />

Florianópolis não.Quando se fala em manezinho, quando se tem orgulho, é a pessoa que<br />

nasceu no interior, no litoral <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>. O cara que nasceu em Garopaba, Pinheira, o<br />

cara que nasceu lá em São Francisco, em Biguaçu, Porto Belo, Ganchos, é tudo a mesma<br />

origem, enten<strong>de</strong>u? Então todo mundo se dá bem e se relaciona bem, por causa disso.<br />

Florianópolis é mais uma parte <strong>de</strong>ssa colonização que foi a dos açorianos, então por isso que<br />

nós temos essa ligação do litoral <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>. Tudo é uma cultura só, tudo é uma gente<br />

só. Então esse orgulho <strong>de</strong> dizer, manezinho (da ilha), não. Eu sou manezinho <strong>de</strong> Laguna, ou<br />

sou manezinho <strong>de</strong> Garopaba, <strong>de</strong> Florianópolis, é tudo um manezinho só. Essa auto-estima tem<br />

que ser levada por aí. Porque nos temos todos a mesma colonização. Isso que nós tamos<br />

fazendo aqui hoje ó, sê viu ó, a tainha não apareceu, fomos lá compramos lingüiça, fizemos<br />

um pirão, todo mundo veio, comeu, bebeu e gostou, não tem essa frescura <strong>de</strong>, todo mundo<br />

13 Sobre a polemica da farra do boi ver Lacerda (2003)<br />

14 Ver “Uma cida<strong>de</strong> numa ilha” (1996).<br />

15 Veja a propósito a distinção que faz Novais (1993) entre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como evocação <strong>de</strong> semelhanças no plano<br />

discursivo e político, e a auto-imagem como conceito relacional e situacional. Sobre a construção da figura do<br />

“manezinho” veja especialmente, Fantin (2000: cap. 4.).

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