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O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

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98<br />

pratica <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> etnização da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, 19 no sentido da instauração <strong>de</strong> técnicas<br />

operadoras dos processos <strong>de</strong> imaginação <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> étnica. Me associo aqui a<br />

Benedict An<strong>de</strong>rson (1983) que consagrou a idéia weberiana <strong>de</strong> nação como “comunida<strong>de</strong><br />

imaginada”. Por extensão, diria que uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> categórica 20 , seja ela nacional, regional,<br />

étnica, religiosa, diaspórica, <strong>de</strong> raça, gênero, minoria etc, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da forma como é<br />

partilhada a imagem do que a constitui. Como imagem notória e integrada, a elaboração da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> vai implicar na seleção <strong>de</strong> atributos tácitos, quer dizer, no estabelecimento <strong>de</strong> um<br />

consenso sobre a memória. O que <strong>de</strong>vemos lembrar é uma questão crucial nos processos <strong>de</strong><br />

reconstrução i<strong>de</strong>ntitária. No entanto, lembrar também implica alguma dose <strong>de</strong> esquecimento.<br />

Ora, quais foram os mecanismos (leia-se também operadores simbólicos) que instauraram a<br />

forma imaginada <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> etnicamente diferenciada dos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong><br />

açorianos em <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>?: 21<br />

1. Um mito fundador: a epopéia, a saga atlântica dos primeiros emigrantes entre 1748 e<br />

1756. Há toda uma literatura e material <strong>de</strong> divulgação que ressalta a saga dos pioneiros<br />

“casais açorianos” 22 . Nos cursos <strong>de</strong> treinamento oferecidos aos professores das re<strong>de</strong>s<br />

municipais <strong>de</strong> ensino, estes materiais são didaticamente apresentados; conta-se a historia dos<br />

Açores, os problemas da fome e pobreza que motivaram a emigração dos casais para o Brasil.<br />

Narra-se a viagem, o nome das caravelas, as mortes e os primeiros tempos em <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>.<br />

Registra-se o abandono pela Coroa e os bens e ferramentas prometidos e nunca chegados no<br />

19 Ver Cardoso <strong>de</strong> Oliveira (2000) para a questão da etnização <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s nacionais <strong>de</strong> imigrantes resi<strong>de</strong>ntes<br />

em socieda<strong>de</strong>s anfitriãs; ver Oliveira (1999) para a questão da constituição <strong>de</strong> objetos étnicos como ato político<br />

no caso da relação entre etnicida<strong>de</strong> e territorialização indígenas no Nor<strong>de</strong>ste do Brasil. Ambos aprofundam a<br />

clássica elaboração teórica <strong>de</strong> Barth (1969) que, afastando-se das posturas culturalistas sobre etnicida<strong>de</strong>, adota<br />

uma perspectiva organizacional.<br />

20<br />

Bourdieu (1989:142) lembra o étimo grego da palavra: katégorein significa apontar, indicar, e<br />

fundamentalmente, acusar na ágora. O trabalho <strong>de</strong> categorização é um trabalho incessante <strong>de</strong> imposição <strong>de</strong><br />

sentido sobre percepções acerca do mundo e das lutas que opõem os agentes acerca <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social.<br />

21 Nesta seção apresentarei dados obtidos junto aos arquivos do NEA, sediado no Museu <strong>de</strong> Antropologia da<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>.<br />

22 A expressão “casais açorianos” advém do Edital Régio <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1746. Para comentários sobre o<br />

Edital Régio ver Vale Pereira (1998). Ver também Piazza (1992), Farias (1998), Jornal Õ CATARINA (1996, n.<br />

18) e o ví<strong>de</strong>o 8 o AÇOR (2001).

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