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O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

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chamado o “encontro colonial” (ASAD, 1973), implicava um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> transparência e<br />

factualida<strong>de</strong> na representação do outro, o chamado gênero do “realismo<br />

etnográfico”(MARCUS & CUSHMAN, 1982). O nativo, sempre passivo, era submetido a<br />

uma autorida<strong>de</strong> soberana, produtora <strong>de</strong> um texto (etnográfico) e uma voz (autoral) <strong>de</strong> caráter<br />

monológicos, que não questionava o caráter da relação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre os pólos do observador<br />

e do observado (CARDOSO DE OLIVEIRA: 1988:69). A alternativa proposta foi a<br />

construção <strong>de</strong> “etnografias experimentais” 7 , tendo como mo<strong>de</strong>lo o diálogo ou melhor, a<br />

polifonia. O objetivo final, no que diz respeito ao autor, seria fazer com que ele agora se<br />

diluísse no texto, minimizando em muito a sua presença, dando espaço aos outros, que antes<br />

só apareciam através <strong>de</strong>le:<br />

O princípio da produção textual dialógica situa as interpretações culturais em<br />

diferentes contextos intercambiáveis e obriga os escritores a encontrar diversas<br />

maneiras <strong>de</strong> apresentar realida<strong>de</strong>s, que são <strong>de</strong> fato negociadas, como intersubjetivas,<br />

cheias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e incongruentes. Nesta visão, “cultura” é algo sempre<br />

relacional, uma inscrição <strong>de</strong> processos comunicativos que existem, historicamente,<br />

entre sujeitos e relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r... Assim que o dialogismo e a polifonia são<br />

reconhecidos como modos <strong>de</strong> produção textual, a autorida<strong>de</strong> monofônica é<br />

questionada, aparecendo como uma característica <strong>de</strong> uma ciência que preten<strong>de</strong>u<br />

representar culturas (CLIFFORD, 1986:15 apud CALDEIRA,op. cit,: 142).<br />

Note-se então que o antropólogo não se encontra mais numa situação privilegiada em<br />

relação à produção <strong>de</strong> conhecimentos sobre o outro. Sua posição é relativizada. Ele não é mais<br />

aquele que re-elabora uma experiência para explicitar a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma cultura com uma<br />

abrangência e coerência impossíveis para aqueles que a vivem no cotidiano. Não é mais um<br />

sujeito cognoscente privilegiado, mas igualado ao nativo e tem que falar sobre o que os<br />

iguala: suas experiências cotidianas. O ponto <strong>de</strong> vista nativo torna-se então meta inalcançavel.<br />

As vozes são todas equiparadas e o que se representa são sujeitos individuais, não papéis<br />

sociais. O que o antropólogo po<strong>de</strong> fazer é inscrever processos <strong>de</strong> comunicação em que ele é<br />

apenas uma das muitas vozes. Ele po<strong>de</strong> evocar, sugerir conexões <strong>de</strong> sentido, provocar,<br />

7 Resenhas críticas sobre estes novos experimentos po<strong>de</strong>m ser encontradas em Cal<strong>de</strong>ira(1988); Peirano(1997);<br />

Fausto(1988).

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