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O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

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essas relações – e aqui me refiro a relações consubstanciadas nas noções <strong>de</strong> favor<br />

(horizontalida<strong>de</strong>) e <strong>de</strong> graça (verticalida<strong>de</strong>) – <strong>de</strong>vem ser vistas como relações <strong>de</strong> dádivadívida,<br />

no sentido <strong>de</strong>scrito por Lanna, isto é, como prestações e contraprestações recriadas<br />

constantemente pelo endividamento dos atores-trocadores, pois é justamente a dívida que<br />

sustenta a continuida<strong>de</strong> do vínculo que se quer prezar. O que eu adicionaria nesta explicação<br />

tem que ver com a dose <strong>de</strong> intencionalida<strong>de</strong> dos atores e não com o dispositivo em si da<br />

dádiva. Estou aqui associado à posição <strong>de</strong> Clau<strong>de</strong> Lefort com respeito à lógica da troca,<br />

quando ele diz que é preciso recapturar não somente o dispositivo dádiva/contradádiva, ou<br />

seja, a lógica objetiva dos termos da troca (como faz Clau<strong>de</strong> Lévi-Strauss), mas a “intenção<br />

imanente às condutas, o sentido que os atores operam por meio <strong>de</strong> suas práticas oblativas”<br />

(apud HAESLER, 2002, p. 153). Pois bem, <strong>de</strong> que maneira é possível cancelar uma dívida<br />

divina, recriando a troca, como diz Lanna (p. 37)? Ora, pelo ato sacrificial <strong>de</strong> fazer promessas.<br />

De que maneira é possível ao político, ao patrão ou a qualquer doador <strong>de</strong> favores retribuir a<br />

dádiva oferecida pelo donatário? Cumprindo com a promessa. Sabe-se que os santos são mais<br />

fiéis pagadores do que os políticos. No entanto, a operação <strong>de</strong> sentido aqui, embora invertida,<br />

é a mesma e se dá por meio do jogo simbólico da promessa. O povo é cliente do santo e vai-se<br />

encontrar com ele nas festas para ajustar as contas. O povo é cliente do político, mas é capaz<br />

<strong>de</strong> trocá-lo se este não retribuir sua “<strong>de</strong>voção”. Este ato <strong>de</strong> fazer e pagar promessas constitui,<br />

ele mesmo, a dádiva e a intenção que reveste o “fundamento sagrado da socieda<strong>de</strong>” <strong>de</strong> que<br />

fala Lanna, pois se traduz em crença generalizada que engloba as relações entre doadores e<br />

donatários: entre o santo e seu <strong>de</strong>voto e entre o doador <strong>de</strong> favores e seu cliente. A promessa<br />

registraria o sentido das “relações clientelistas” entre o fiel pagador e seu santo, assim como<br />

entre o fiel cliente e seu credor. O ato <strong>de</strong> sentido conferido à promessa pelos nativos conferiria<br />

também a eficácia simbólica <strong>de</strong> sua operação.

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