30.10.2014 Views

O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

205<br />

permanecem mobilizados, atentos à passagem dos cardumes. Conforme visto no capítulo<br />

anterior, os açoriano-<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes caracterizaram-se secularmente por um modo <strong>de</strong> vida<br />

baseado na alternância entre a agricultura e a pesca. Atualmente, com o <strong>de</strong>saparecimento<br />

quase total da ativida<strong>de</strong> agrícola, a sazonalida<strong>de</strong> do trabalho permanece explícita no meio<br />

pesqueiro, <strong>de</strong> acordo com as diferentes safras das espécies <strong>de</strong> peixes durante o ano. A<br />

<strong>de</strong>scrição abaixo representa uma pequena incursão etnográfica ao mundo pesqueiro ilhéu. Ela<br />

proporcionou a abertura <strong>de</strong> vários temas a serem estudados em futuros trabalhos como, por<br />

exemplo, as formas <strong>de</strong> territorialização das águas pesqueiras entre os grupos <strong>de</strong> pescadores<br />

artesanais e a importância simbólica das noções <strong>de</strong> “segredo” e “sorte” na constituição da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social do pescador.<br />

O que segue procura <strong>de</strong>screver e explorar o mecanismo <strong>de</strong> formação da “socieda<strong>de</strong> dos<br />

camaradas” na pesca artesanal do sul da Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>. Tem por objetivo focalizar<br />

um dos aspectos mais característicos da sociabilida<strong>de</strong> ilhôa, a partir do meio pesqueiro: a<br />

coexistência, aparentemente paradoxal, <strong>de</strong> uma retórica igualitária associada às práticas<br />

hierárquicas, necessárias ao trabalho cooperativo <strong>de</strong> captura do pescado no mar.<br />

Para realizar uma entrevista com um pescador, fui até ao canto da praia on<strong>de</strong> os<br />

“vigias” davam plantão, observando a possível entrada das tainhas. Meu informante estava no<br />

posto <strong>de</strong> vigia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo, ao lado <strong>de</strong> outros vigias, inclusive o principal, seu Domingos. Seu<br />

Domingos é um velho pescador negro, cujo trabalho <strong>de</strong> vigilância era ali obrigatório, todos os<br />

dias, pois ele, como ninguém, era preparado para avisar a presença <strong>de</strong> cardumes ao pessoal<br />

das canoas. O vigia emite sinais e gestos cifrados a uma distância <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> mil metros. Os<br />

sinais são gritos ou gestos circulares ou perpendiculares, feitos com o braço, às vezes com um<br />

pedaço <strong>de</strong> pano, outras vezes fazendo fumaça no chão. Tais gestos cifrados indicam o tipo <strong>de</strong><br />

manta [cardume] <strong>de</strong> peixe avistado e quantas canoas <strong>de</strong>verão ser postas no mar.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!