O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina
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as tocavam ou beijavam. É o momento anunciado para agra<strong>de</strong>cer ou reiterar as promessas e<br />
graças alcançadas.<br />
Algo novo que notei na missa, assim como em outras a que assisti é o caráter<br />
carismático <strong>de</strong>las 20 . Havia violão e bateria. As pessoas balançavam seus corpos e, nas orações,<br />
levantavam os braços. Ouvi ritmos <strong>de</strong> samba, rock e baladas. O povo local parece a<strong>de</strong>rir à<br />
nova liturgia, reiterando sua predileção pelas imagens, pelos cantos e comemorações físicas<br />
junto ao “santo”. Este é o aspecto mais significativo <strong>de</strong>ssas observações: para os <strong>de</strong>votos, o<br />
que importa é a presentificação do santo. O Divino é o santo. É a ele que <strong>de</strong>sejam ver passar<br />
e receber sua luz. Mas o santo po<strong>de</strong> também ser o(a) santo(a) padroeiro(a), o corpo <strong>de</strong> Deus, o<br />
menino do presépio, o santo da <strong>de</strong>voção, da grutinha do quintal ou da esquina mais próxima.<br />
Trata-se do santo que vai passar nas incansáveis visitações e procissões, e o compromisso é<br />
estar em sua presença, pelo menos olhar o santo no cortejo, na missa, nas ban<strong>de</strong>iras peditórias<br />
ou nos foguetórios. O fiel po<strong>de</strong> estar até na janela da casa, mas sempre agra<strong>de</strong>cendo as graças<br />
(dádivas) alcançadas, ou então “negociando” com o santo novos pedidos, fazendo ou pagando<br />
as suas promessas:<br />
Marilena – Choram, saem <strong>de</strong> porta em porta levando aquela ban<strong>de</strong>ira e recebem como se<br />
fosse Deus mesmo que tivesse entrando. É o santo em vida que tá ali; todo mundo beija<br />
aquela fita. Eles choram, se emocionam e dão oferta e cantam com aquela fé.<br />
As famílias acreditam na cura das mulheres benze<strong>de</strong>iras e a elas é dado o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
Deus para curar pequenos males como “zipra”, “cobreiro”, “mau-olhado”, “amarelão”, “arca<br />
caída”, “olho gran<strong>de</strong>” etc 21 . Por isso, fazem promessas e oferecem aos santos oferendas como<br />
20 O “movimento carismático” é uma antiga organização laica <strong>de</strong>ntro da Igreja Católica brasileira. Até os anos<br />
80 este movimento era visto com reservas pela cúpula da Igreja em função da euforia dos cantos e orações, da<br />
intensida<strong>de</strong> dos gestos <strong>de</strong>ntro das igrejas. Ocorre que com a ascensão das Igrejas Pentescostais, que adotam um<br />
tipo <strong>de</strong> liturgia muito parecida com esta dos carismáticos católicos, a Igreja parece ter consentido em incorporar<br />
às missas as formas oblativas e mais ruidosas do movimento. Sobre a ascensão do pentecostalismo no Brasil e as<br />
reações da Igreja Católica, ver Oliva (1997), Vasquez (1998), Clarke (1999).<br />
21 Sobre as classificações nativas para doenças e males, ver Flores e Silva (op. cit).