O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

186
uma rifa. Isso feito, começaram os ensaios. Três músicas escolhidas por cada banda e um
maestro por vez. As partituras tinham sido trocadas e distribuídas um mês antes, mas a
maioria esqueceu o material. Ficaram então reunidos vários para ler a partitura de um. Isto
prejudicou os ensaios. Notei que cada maestro tinha o seu estilo: Um brincava mais, outro
gesticulava mais e o outro dizia que parecia brabo, mas era seu jeito. O pessoal da percussão
lá atrás brincava muito e, quando havia um erro em algum naipe, os maestros repetiam aquela
parte. Havia mesmo uma verdadeira festa entre eles. Havia também duas moças, uma no
clarinete e outra do bumbo e que estava começando em alguma das bandas. De resto, a
maioria eram homens de todas as idades. 17
Conversando depois com um membro antigo da Banda da Lapa, soube que “o pessoal
das duas outras bandas não tocou nada porque esqueceram das partituras”. Perguntei sobre um
homem idoso do sax tenor que a mim pareceu ser um músico de primeira qualidade. Ele me
respondeu que o tal homem “fingiu o tempo todo, pois também esqueceu a partitura”. Então
indaguei sobre o outro da tuba lá atrás. Ele disse que “o cara saiu quatro vezes pra tomar
cachaça”. “E quanto à moça que estava aprendendo o bumbo?”, perguntei. “Ela atravessou
tudo e o maestro pediu para ela tocar baixo pra ninguém notar, no dia da apresentação”. No
final da conversa, disse-me também que dava para ver qual banda era a melhor: “É a da Lapa!
E as outras duas bandas sabem disso!”. No final do ensaio, os maestros resolveram mudar o
esquema para o ano seguinte, dada tanta confusão. Cada banda iria ensaiar sozinha o seu
repertório e, no final da apresentação, todos tocariam o Rancho de Amor a Ilha, hino popular
da cidade. Nota-se que as rivalidades entre as três bandas só são canceladas pela execução do
hino.
17 Um estudo de Trajano Filho (1984) sobre os ensaios (de orquestra) no Rio de Janeiro mostra tal evento como
ação social significativa enquanto “experiência transformadora que remete à busca da totalidade sonora”, da
obtenção sempre tensa do consenso e que implica uma “mudança valorativa do particular para o geral, do
individual ao coletivo, da pessoa ao instrumento, da renúncia à totalidade”. Para um estudo local do ensaio do
“Terno de Reis”, ver Córdova (1991).