30.10.2014 Views

O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

171<br />

profano, entre a or<strong>de</strong>m e a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m. Assim, nessa abordagem – que tem na sociologia<br />

durkheimiana seu nascedouro – os ritos, embora representassem uma força efervescente na<br />

socieda<strong>de</strong>, teriam sua explicação ancorada em “mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> equilíbrio”. Em outras palavras, as<br />

formas rituais ou os sistemas expressivos em geral apareceriam como epifenômenos <strong>de</strong> uma<br />

totalida<strong>de</strong> orgânica e funcional, a dizer, a socieda<strong>de</strong>. Eles só adquiririam sentido como<br />

representações cuja interpretação estaria <strong>de</strong>terminada exteriormente por algo po<strong>de</strong>rosamente<br />

ausente. O rito seria então uma mensagem distorcida, estranha e invertida <strong>de</strong> uma eterna<br />

sauda<strong>de</strong> da or<strong>de</strong>m. Ora, essa tradição <strong>de</strong> abordagem é capaz <strong>de</strong> revelar, por exemplo, os<br />

mecanismos estruturais <strong>de</strong> inversão e transgressão (veja o caso do carnaval como mascarada).<br />

No entanto, essa revelação se daria enquanto antítese episódica <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong> irrecorrível<br />

que lhe seria absoluta e exterior: a socieda<strong>de</strong>, a civilização, a estrutura, a or<strong>de</strong>m, a norma.<br />

Estas seriam as realida<strong>de</strong>s finais e explicativas por on<strong>de</strong> o rito, enquanto fenômeno ligado ao<br />

mundo da expressivida<strong>de</strong>, se apresentaria inelutavelmente como a sua dimensão reflexiva.<br />

Mas se perguntássemos simplesmente: o que os ritos, eles mesmos, narram como produtores<br />

<strong>de</strong> sentido? A performance ritual não seria ela mesma, uma performance cultural? Enfim, não<br />

estaria o ritual ou qualquer sistema expressivo (poesia, pintura, procissões, festas etc.)<br />

submetido a duas possíveis chaves interpretativas, isto é, uma que i<strong>de</strong>ntificaria os sistemas<br />

expressivos como um teatro sob o real (representação alegórica) e outra que os i<strong>de</strong>ntificaria<br />

como um teatro sobre o real (apresentação tautegórica) 8 ?<br />

7 A relação entre a obra <strong>de</strong> Simmel e a Antropologia foi objeto <strong>de</strong> recente coletânea, organizada em<br />

Teixeira (2000).<br />

8 Dante, ao referir-se à leitura das Escrituras Sagradas, apontava o sentido alegórico como o mais importante<br />

para o poeta e o teólogo: “o que se escon<strong>de</strong> sob o manto <strong>de</strong>stas fábulas, é uma verda<strong>de</strong> oculta sob bela mentira”<br />

(DANTE apud , apud ALEGORIA, 1982:22). Na Ida<strong>de</strong> Média, a alegoria tornou-se o modo <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a função<br />

da arte, especialmente da poesia. Dante <strong>de</strong>finia assim a tarefa do poeta: “Vergonha seria para aquele que<br />

rimasse coisas sob veste <strong>de</strong> figura ou <strong>de</strong> côr retórica, e <strong>de</strong>pois interrogado, não soubesse <strong>de</strong>snudar as suas<br />

palavras <strong>de</strong> tal veste, <strong>de</strong> modo que tivessem real entendimento” (op. cit, p. 22). Veja que nesse caso, o esforço<br />

<strong>de</strong> tradução do Outro é feito em nome <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong> que se busca <strong>de</strong>s-cobrir – “sob o manto <strong>de</strong>stas fábulas” –<br />

para além das coisas, fatos e pessoas <strong>de</strong> que trata. Por sua vez, no mo<strong>de</strong>lo tautegórico, a linguagem, as artes e o<br />

drama têm vida própria, por não estarem subordinados às exigências <strong>de</strong> um esquema conceitual superior a que<br />

<strong>de</strong>veriam dar corpo ou “real entendimento”. O mo<strong>de</strong>lo conduz à tradução do Outro não pela neutralização do<br />

significante (coisas, fatos, pessoas), mas remete à irredutibilida<strong>de</strong> do Mesmo, em nome <strong>de</strong> sua autonomia <strong>de</strong>

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!