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O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

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comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> negros 16 . Consultando vários moradores, verifiquei que nunca foi registrado<br />

um caso <strong>de</strong> casamento inter-racial na comunida<strong>de</strong>. Embora exista na comunida<strong>de</strong> uma<br />

convivência publicamente cordial entre negros e brancos, a regra social básica entre as<br />

famílias parece ser aquela <strong>de</strong> “aliar” sem se “filiar”. Esta distinção nativa entre “aliar” e<br />

“filiar” opera as relações entre brancos e negros. Aliar significa somar, prestar “ajudas”, unir<br />

em esforços comuns, participar sem distinção, batizar e acolher afilhados e cumpadres, enfim,<br />

afinizar. Filiar remete diretamente a casamentos, uniões estáveis e mesmo “namoros firmes”,<br />

consanguinizar.<br />

Marilena – A gente tem que ter o máximo <strong>de</strong> cuidado, porque a gente foi criada tudo junto, na<br />

mesma rua, na mesma escola, brincando. Só no clube era separado. Mas ai <strong>de</strong> uma que<br />

namorasse... Um preto com uma branca, <strong>de</strong> jeito nenhum. Até hoje ainda conservam isso.<br />

Deus o livre. Os pretos também dizem: “Não tem nada que namorar com branca.” Como eles<br />

são discriminados, eles também têm aquele orgulho <strong>de</strong> não querer. Devolvem na mesma<br />

moeda. Ele não aceitam um rapaz branco casar com uma menina negra. “Também não quero<br />

que meu filho case com uma mulher branca. Tem que casar com gente da minha raça.” Eles<br />

falam assim. Eles são muito unidos. São católicos, nada <strong>de</strong> macumba não, são tudo <strong>de</strong> igreja,<br />

católicos, participam das irmanda<strong>de</strong>s. São amigos, <strong>de</strong> servir, é compadre, uma batiza a filha<br />

da outra, um ajuda o outro, tem ajuda claro. Só nesse caso <strong>de</strong> filiação mesmo, união <strong>de</strong><br />

famílias, a maioria não aceita.<br />

Se na Freguesia do Ribeirão, brancos e negros se aliam, mas não se filiam, no caso do<br />

Pântano do Sul, as relações <strong>de</strong> vizinhança incorporaram novas relações dos nativos com<br />

16 Pelo seu valor explicativo, transcrevo o seguinte relato sobre a origem da presença negra na freguesia, obtido<br />

em entrevista com o sociólogo e Diretor do Museu do Ribeirão da Ilha, Dr. Nereu do Vale Pereira: “As famílias<br />

açorianas não trouxeram escravos. Encontraram aqui o regime escravocrata. Eles passaram a ser, como no<br />

Centro da cida<strong>de</strong>, escravos domésticos, porque aqui se cultivava mandioca, milho e se pescava. E nessas<br />

ativida<strong>de</strong>s não se empregava o braço escravo. Era a família do senhorio quem trabalhava. Com a entrada do ciclo<br />

da baleia, na segunda meta<strong>de</strong> do século XVIII, começam a vir escravos para o serviço mais pesado, cal<strong>de</strong>iras,<br />

transporte dos pedaços das baleias. Nesse período já havia a Freguesia do Ribeirão, e os senhorios que moravam<br />

aqui subiam esse morro e iam até a Armação. As residências <strong>de</strong>sses armadores eram aqui no Ribeirão. Por isso o<br />

lugar tinha o nome do Porto do Contrato, on<strong>de</strong> se embarcava o óleo daqui do Ribeirão. Então os escravos<br />

começaram a fixar residência aqui também. Logo em seguida, surgiu o ciclo do café, e a operação <strong>de</strong> colher,<br />

secar, <strong>de</strong>scascar, torrar era um serviço pesadíssimo. O negro aqui aparece com mais intensida<strong>de</strong> nesse trabalho,<br />

em meados do século XIX. Então, no final do século XVIII e meados do século XIX, os escravos vieram pra cá.<br />

Aquelas casas geminadas ali na freguesia eram um centro produtor do café. Ali não eram residências, trabalhavase<br />

ali. Eram locais <strong>de</strong> trabalho on<strong>de</strong> os negros dormiam também. O negro trabalhou nisso, no serviço pesado.<br />

Não entrou na pesca. Nunca. A pesca da baleia era feita pelo branco. O negro entrava na operação braçal, força.<br />

Por quê? Porque a pesca era uma ativida<strong>de</strong> nobre. São Pedro, Jesus, os pescadores. A pesca era <strong>de</strong> gente nobre,<br />

né? O negro ia para o trabalho sem qualificação. O trabalho da pesca era nobre. E com isso, o negro ficou

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