O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina
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Praticada nos matos, sertões e praias, tornou-se visível nas novas malhas urbanas, provocando<br />
mobilizações e protestos que permanecem até hoje em todo os País. 13<br />
O trecho <strong>de</strong>sta<br />
entrevista abaixo é emblemático <strong>de</strong> todo este processo referido nestes dois últimos<br />
parágrafos. É o relato <strong>de</strong> um lí<strong>de</strong>r comunitário, farrista, pescador, nativo <strong>de</strong> uma localida<strong>de</strong><br />
pesqueira do sul da Ilha:<br />
E -Fala-se muito hoje em cultura açoriana, a <strong>de</strong>scoberta das origens etc. Eu queria saber <strong>de</strong> ti,<br />
na tua infância, teus pais ou o pessoal mais velho comentavam sobre isso?<br />
Jair – Não, não. Não existia não. Nós não sabia da on<strong>de</strong> tinha vindo. Até é engraçado porque<br />
o pessoal italiano, os alemão eles sabem sua origem. – Sou <strong>de</strong> origem italiana, sou <strong>de</strong> origem<br />
alemã. Eles tinham essa noção. Talvez mesmo pela própria colonização <strong>de</strong>les ser mais<br />
recente, no caso. Mas nós não. Nós não tínhamos essa noção, disso não. Nós achávamos que<br />
éramos daqui mesmo. [sublinhado meu]<br />
No início do texto, referimo-nos à questão da “naturalização” do litoral, visibilizado<br />
como “rota da natureza”. Neste relato, note que o ser “daqui mesmo” significava ser um<br />
natural da terra, alguém que “não sabia da on<strong>de</strong> tinha vindo”, indicando como a<br />
“naturalização” do território repercutia na fala nativa sobre sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem:<br />
E – Brasileiro?.<br />
Jair – É, brasileiro. Nós não tínhamos essa noção não, <strong>de</strong> dizer: - Nós somos <strong>de</strong> colonização<br />
açoriana. Algumas pessoas nessa época, hoje eu sei que nessa época já trabalhavam, já<br />
tentavam estudar isso, hoje eu sei disso, mas era uma coisa que era muito fechado, ou pelo<br />
menos não era divulgado né. Não era divulgado nada do trabalho <strong>de</strong>sse pessoal que se<br />
esforçava em querer mostrar esse lado da colonização açoriana, não. Isso aí na verda<strong>de</strong> nós<br />
fomos <strong>de</strong>scobrir mesmo, através, quando nós fomos pra universida<strong>de</strong>, quando esse trabalho<br />
que fez, que tem a universida<strong>de</strong> aqui <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, com a dos Açores, que tem esse<br />
trabalho aí <strong>de</strong> integração, <strong>de</strong> estudos, e que foi se aprofundando muito mais né, trazendo gente<br />
<strong>de</strong> lá, levando gente daqui pra lá, enfim, a gente soube <strong>de</strong>ssa importância que é também a<br />
cultura açoriana.<br />
Indagado sobre como foram <strong>de</strong>scobrir suas origens, o informante revela que quando<br />
tiveram que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a sua tradição (a da farra do boi), <strong>de</strong>scobriram que também eram um<br />
povo que tinha “origem”:<br />
12 Veja as seguintes matérias no Jornal Diário Catarinense: “Um momento singular”, 23.03.2001, p. 12; “Uma<br />
ilha <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong>s e expectativas”, 27.01.2002, p. 22; “Morar na ilha é sonho para poucos”, 25.08.2002, p. 18.