30.10.2014 Views

O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

ajuda mútua e o olhar sempre vigilante <strong>de</strong> uns sobre os outros 15 . Veja-se o que diz Everaldo,<br />

nativo do local há 75 anos :<br />

182<br />

Everaldo – Agora se quiser rogar uma praga pra alguém, não peça pra ele morrer não, arranje<br />

um péssimo vizinho; pronto, é a pior praga que possa existir é um vizinho ruim; você não<br />

po<strong>de</strong> conversar, não po<strong>de</strong> olhar, tudo que você faz ele olha, tudo que ele faz você olha, tem<br />

que tá sempre <strong>de</strong> cara um pro outro. É a pior coisa do mundo.<br />

Um outro dado significativo <strong>de</strong>ste patrimônio <strong>de</strong> vizinhança são as rivalida<strong>de</strong>s. Elas<br />

<strong>de</strong>finem fronteiras sociais intra-locais, ao mesmo tempo que po<strong>de</strong>m dissolver-se<br />

momentaneamente, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo, por exemplo, do alcance dos benefícios públicos<br />

conquistados para as comunida<strong>de</strong>s. De dois moradores <strong>de</strong> diferentes localida<strong>de</strong>s do Ribeirão<br />

da Ilha:<br />

Marilena – Foi o Padre Ernesto quem introduziu a procissão dos santos das 16 capelas do sul<br />

da Ilha no dia da festa da padroeira do Ribeirão, com a intenção <strong>de</strong> chamar, <strong>de</strong> unir as<br />

comunida<strong>de</strong>s, por causa da rivalida<strong>de</strong>. No Alto Ribeirão, com a gente (da Freguesia) era uma<br />

coisa <strong>de</strong> louco. Até nos bailes, quando a gente chegava, eles amarravam a cara: “Já chegaram<br />

as bestas, as prosas...”. Boquinha pequena, uma comentava com a outra. Chamavam a gente<br />

<strong>de</strong> besta, <strong>de</strong> prosa, atrevidas, as metidas, porque a gente também era boba né, achava que se<br />

arrumava melhor que elas, a gente era mais inteligente. Ali (na Freguesia) era a capital, era<br />

tudo ali. O outro era periferia, o Alto Ribeirão. A gente andava mais na moda, roupa, sapato,<br />

tudo. O pessoal era mais intelectual, mais esperto, mais estudado. E a Costeira do Ribeirão era<br />

mais em segundo plano do que o Alto Ribeirão.<br />

Francisco – O pessoal do Alto Ribeirão ainda apresenta altas reservas em relação ao pessoal<br />

da freguesia e vice-versa. O pessoal da Costeira não vai muito as festas da freguesia e viceversa.<br />

Se passar para Barra do Sul, Naufragados ou Caieira, pior ainda. Tu vê que se botar<br />

lombada na freguesia, por que é que não vai ter lombada no Alto Ribeirão? Tem que ter<br />

lombada! Se tem um clube no Canto do Rio, por que o Ban<strong>de</strong>irantes não faz uma se<strong>de</strong> nova?<br />

E assim vai essa disputa. Coisas do po<strong>de</strong>r público tem que ter lá e cá, senão vai dar briga.<br />

No caso da Freguesia do Ribeirão, há um dado especial que é o fato <strong>de</strong> ser a<br />

vizinhança marcada pela coexistência <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> brancos ao lado <strong>de</strong> uma<br />

15 Sobre o olhar, mentira, fingimento e vergonha como etiquetas <strong>de</strong> interação social nas relações entre vizinhos,<br />

veja o recente estudo <strong>de</strong> microsociologia da cida<strong>de</strong> organizado por José <strong>de</strong> Souza Martins (1999).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!