O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina
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fundadora, a noção <strong>de</strong> “sangue”, a idéia <strong>de</strong> “alma” ou “essência” da cultura, a tradição como<br />
evocação, a nostalgia cultural, a cultura do folclore e da musealização do passado, a<br />
i<strong>de</strong>ntificação com lealda<strong>de</strong>s primordiais, a retórica da autenticida<strong>de</strong> e da pureza. No caso<br />
açoriano em <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, a idéia <strong>de</strong> cultura sofre uma tradução seja nos termos da<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, no sentido <strong>de</strong> que ter i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é ter uma cultura herdada; seja nos termos <strong>de</strong><br />
tradição, no sentido <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> manifestações recolhidas da memória coletiva que vai<br />
legitimar o reclamo da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural do presente e do passado. A base do movimento<br />
cultural açorianista é justificada pela idéia <strong>de</strong> resgatar a cultura, como sinônimo <strong>de</strong> orgulho e<br />
valorização das tradições locais. Ora, sabemos que não se po<strong>de</strong> resgatar algo que já se per<strong>de</strong>u<br />
em sua forma original. Isto reflete, uma visão essencializada da historia e da cultura, vista<br />
como um complexo <strong>de</strong> tradições sobreviventes do passado (daí o termo tão difundido <strong>de</strong><br />
“resgate”). A crítica <strong>de</strong> Fantin (2000: 169) sobre a visão essencialista <strong>de</strong> cultura do<br />
movimento açorianista parece-me correta. O problema é que <strong>de</strong>sconheço, em todos esses<br />
casos, um outro modo <strong>de</strong> concepção e práticas <strong>de</strong> convencimento que sejam tão eficazes, já<br />
que a busca das raízes, a construção <strong>de</strong> referenciais i<strong>de</strong>ntitários, as epopéias <strong>de</strong> origem, a<br />
valorização da auto-estima e a idéia <strong>de</strong> pertencimento legitimo à uma terra-mãe, não<br />
po<strong>de</strong>riam realizar-se nem política, nem emocionalmente, sem valer-se à larga, <strong>de</strong> noções<br />
essencialistas e culturalizadas.<br />
Tudo isso provoca a sensação <strong>de</strong> um paradoxo. Como diz Oliveira (op. cit: 31), a<br />
propósito das novas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s dos índios do Nor<strong>de</strong>ste brasileiro: “Enquanto o percurso dos<br />
antropólogos foi o <strong>de</strong> <strong>de</strong>smistificar a noção <strong>de</strong> ´raça´ e <strong>de</strong>sconstruir a <strong>de</strong> ´etnia´, os membros<br />
<strong>de</strong> um grupo étnico, encaminham-se freqüentemente na direção contrária, reafirmando a sua<br />
unida<strong>de</strong> e situando as conexões com a origem em planos que não po<strong>de</strong>m ser atravessados ou<br />
arbitrados pelos <strong>de</strong> fora.” Esta é a mesma crítica feita por Sahlins (1997:136), a propósito<br />
daqueles que têm sugerido a falência do conceito <strong>de</strong> cultura, enquanto, em todo o planeta,